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Nº 1677 - Ano 36
23.11.2009


Eterno aprendiz

De Portugal, onde respondeu por fax a perguntas que resultaram na entrevista abaixo, Manoel de Oliveira revela sua admiração pelo cineasta dinamarquês Carl Dreyer (1889-1968) e fala de sua relação com diretores brasileiros, em especial o “mais brasileiro” deles, Glauber Rocha.


O que significa o reconhecimento de instituições brasileiras importantes ao conjunto de sua obra?

Significa antes de tudo a compreensão do meu trabalho, e nada pode ser mais congratulante para um realizador de filmes do que esse entendimento, admitindo contudo que haja da parte dessas instituições uma acrescida boa vontade e generosidade.

Quem são suas referências artísticas em diversas épocas?

Na Europa, o filme que mais profundamente me tocou foi Gertrude (1964), o último de Carl Dreyer. Antes, o seu filme Ordet (1955) fora muito bem recebido no Festival de Veneza, ao contrário de Gertrude. Esta teria sido a causa de não ter encontrado um produtor à altura de seu derradeiro projeto, que era a produção dum filme sobre a vida de Cristo, talvez mais por um sentimento de sua profunda compreensão de Cristo como homem do que propriamente pela sua fé. Impedido de realizá-lo, Dreyer morreu logo e desgostoso.

Há vários outros realizadores estrangeiros e portugueses que eu muito aprecio. Quanto ao Brasil, o primeiro que conheci pessoalmente foi Nelson Pereira dos Santos, em Paris, durante o Rencontre International des Auteurs de Cinéma, em 1955, quando vi o seu filme Rio 40 graus. Imaginamos realizar juntos um filme sobre o romance português A selva. Eu faria a parte portuguesa e ele a do Brasil. Estava presente também um outro realizador que falava com insistência no Cinema Novo e do seu futuro filme Barravento. Era ele Glauber Rocha, o de Terra em transe e do Antônio das Mortes, o inesquecível realizador cujo modo de construir filmes se me figurava à maneira dos autos primitivamente levados pelos emigrantes da província minhota de Portugal, no século 16, os quais posteriormente ganharam características nitidamente brasileiras. Esse inesquecível Glauber Rocha foi o mais brasileiro dos realizadores.

Como vê as pesquisas acadêmicas sobre seu trabalho? Sua produção aproveita de alguma forma a produção acadêmica?

As pesquisas acadêmicas acontecem em especial com os filmes históricos, e nesses casos tomo sempre o parecer do meu amigo doutorado em História João Francisco Marques, como aconteceu no meu filme sobre o Padre Antônio Vieira, Palavra e utopia, admiravelmente interpretado em sua última parte pelo grande ator e meu particular amigo Lima Duarte. As minhas realizações aproveitam-se de todo o meu saber e partilham desse saber, mas sou como um aluno ao realizar os meus filmes.

Como se define como artista?

Como um aprendiz.