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Nº 1677 - Ano 36
23.11.2009

Faroeste diamantino

Livro revela como roubo e contrabando transformaram o sertão mineiro em palco de confrontos violentos

Itamar Rigueira Jr

Ao longo da infância em Montes Claros, no norte de Minas Gerais, a professora Ivana Parrela ouvia de familiares e vizinhos idosos histórias fantásticas sobre episódios violentos que marcaram tempos antigos na Serra do Itacambiruçu, hoje pertencente ao município de Grão Mogol. Mais tarde, ao trabalhar com arquivos públicos, a historiadora viria a descobrir que aqueles relatos tinham bem mais que um fundo de verdade. Eles se referiam aos conflitos que envolveram garimpeiros de diamantes, contrabandistas e agentes da Coroa na segunda metade do século 18.

O tema foi escolhido por Ivana Parrela para sua pesquisa de mestrado em História na UFMG (a dissertação foi defendida em 2002) e o resultado acaba de ser publicado na forma do livro O teatro das desordens – Garimpo, contrabando e violência no sertão diamantino 1768-1800, da Editora Annablume. Apoiada principalmente em fontes do Arquivo Público Mineiro, Ivana conta que a ocupação daquele espaço teve início quando a Coroa optou pelo monopólio da produção de diamantes – antes, o sistema incluía a participação de empreendedores particulares –, criando novas regras e uma companhia especialmente para esse fim.

A abordagem do trabalho privilegia o aspecto da violência coletiva. “Mais que mera tentativa de transgressão, o caso da Serra do Itacambiraçu demonstra ações de populações marginalizadas e a criação de alternativas de sobrevivência alheias à ordem imposta pelo governo”, explica Ivana Parrela, professora de arquivologia na Escola de Ciência da Informação da UFMG.

‘Pé-rapados’

Além de descrever com requintes o ambiente natural e contextualizar a trama sob diversos aspectos, Ivana caracteriza os atores envolvidos. Os “pé-rapados” eram homens livres e pobres que não tinham como se inserir na dinâmica econômica, já que os exploradores privados – como João Fernandes, que se notabilizou como amante de Xica da Silva – possuíam escravos e alugavam outros para o trabalho no garimpo. Os pé--rapados se dedicavam ao garimpo ilegal, ao extravio (pequeno contrabando) ou ao contrabando para negociantes do mar, como os holandeses.

Muitos formavam bandos que incluíam também negros fugidos e chegavam a 500 homens armados. Eles utilizavam acampamentos, mas não viviam apenas em itinerância: há um relato militar que dá conta da concentração de centenas de homens em um rancho, segundo a pesquisadora, que seguiu os passos de dois bandos: o dos Vira-Saia, com origens na região de Ouro Preto, e o de João Costa. Embora houvesse combates de grandes proporções, o conflito se caracterizava sobretudo pela estratégia de guerrilha, com pequenos e constantes confrontos, queima de ranchos dos dois lados e sabotagem das áreas de exploração.

Ivana Parrela – que percorreu a serra para identificar localidades e encontrou arquivos municipais ricos, mas muito malconservados – conta que chegou a seguir as pistas de sete homens com o nome de João Costa, também porque o líder tinha um tipo físico muito comum. E sua pesquisa terminou com a prisão das lideranças do bando Vira-Saia, em 1800, em campanha militar comandada por três homens da família Brandão, que deixaram longas e exageradas narrativas sobre confrontos.

A pesquisadora salienta que há poucos estudos sobre a violência no século 18, em cenários como os da extração e do contrabando de diamantes, marcados por uma situação de “soberania fragmentada”, na expressão da professora Carla Anastasia, que orientou sua pesquisa. “Cem anos antes das histórias da conquista do oeste americano, o Brasil teve o seu faroeste, em territórios de grandes dimensões que as forças militares não conseguiam administrar. E ainda há muito o que descobrir”, afirma Ivana Parrela.

Livro: O teatro das desordens – Garimpo, contrabando e violência no sertão diamantino 1768-1800
Autora: Ivana Parrela
Editora Annablume
178 páginas
R$ 31 (livrarias) e R$ 23,25
(www.annablume.com.br)