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Nº 1681 - Ano 36
1.2.2010

opiniao

Integração curricular, uma opção legítima?

Flávia Gazzinelli*

A Escola de Enfermagem, entre outras instituições na Universidade, vive um período de transição curricular. São comuns neste momento sentimentos de insatisfação, pois sempre em processos de produção de novos currículos algumas vozes são mais ouvidas do que outras. É necessário considerar que a implantação do currículo não se limita a uma simples experiência de adoção de proposições oficializadas em textos. Além disso, o contexto da prática é também uma instância de produção, na qual novos textos circulam, ressignificando a proposta original.
Nesse sentido, acredito que o currículo está em processo de vir a ser. Embora sua implantação tenha ocorrido no primeiro semestre de 2009, a configuração que vier a assumir terá relação estreita com as recontextualizações e modificações que professores e alunos fizerem dele no contexto da prática.

Um dos princípios da nova proposta curricular, que começa a ganhar corpo na prática, é o da integração dos con-teúdos das disciplinas. Na implementação dessa política de integração, algumas estratégias vêm sendo engendradas e articuladas. Políticas de currículo resultam da articulação entre propostas e práticas curriculares de construção do conhecimento. Podem tanto ser produzidas para a escola, por meio de ações externas a ela, como pela própria escola, no seu cotidiano pedagógico. As políticas curriculares circulam na instituição sob a forma de texto, de forma simbólica, nas representações dos professores e alunos, e, de forma concreta, nas ações discentes e padrões de trabalho docente, criando uma esfera discursiva a partir da qual decisões são tomadas.

Dentre as estratégias de integração utilizadas junto aos alunos do primeiro e segundo períodos de 2009 destacam-se: 1) Portfólio digital – no qual o aluno faz relatos de experiências, de vivências de aprendizagem e de integração de conteúdos das disciplinas do semestre; 2) Mapa conceitual – a partir de um tema central de cada disciplina cursada, o aluno é orientado a construir diagramas estabelecendo uma rede de conexões entre o tema central e os conteúdos discutidos em cada disciplina daquele semestre; 3) Estudo de caso – seu objetivo é possibilitar a conexão de um caso clínico-assistencial com conteúdos abordados nas disciplinas do período; 4) Mostra de Estética na Saúde – envolve alunos na elaboração de produtos iconográficos que representem seus conceitos de saúde e os significados a ela atribuídos. Representam maneiras de promover no aluno rearranjos subjetivos que o auxiliam a formar-se como produtor de pensamento. São todas estratégias nas quais o estudante deixa a posição de passividade e torna-se sujeito partícipe do seu processo educativo.

Com o objetivo de ampliar os espaços para o desenvolvimento das políticas de integração curricular, entre docentes e alunos e docentes entre si, foram criadas respectivamente as disciplinas Seminários de integração e os minicolegiados. As disciplinas Seminários de integração permitem a discussão sobre métodos de ensino, processos de aprendizagem e de avaliação. Os minicolegiados constituem instâncias formais, criadas por período do curso. Seu objetivo é reunir professores de diferentes disciplinas, com sua cultura científica, pedagógica e social, e favorecer o deslocamento da sua realidade ao apresentar-lhes potenciais de outras realidades. Parte do pressuposto de que o cotidiano é, por si só, formador.

Diante dessa diversidade de estratégias, cabe indagar a razão do esforço para concretizar o princípio da integração curricular. Penso que a defesa pelo currículo integrado, embora fundamentada em perspectivas progressistas de educação, pode se tornar um mergulho no vazio, se assumida acriticamente. Muitas vezes essa forma de organização curricular é escolhida por se contrapor à organização disciplinar, vista como ícone da segmentação do conteúdo. Igualmente, por acreditar-se que o currículo integrado pode abranger todo o conhecimento da realidade, como se existisse um conhecimento unitário e universal. Entendo que os dois tipos de currículo podem atender a diferentes fins. Penso inclusive que o currículo pode ser integrado sem extinguir as disciplinas, apenas valorizando a inter-relação delas.

Tenho a convicção de que a opção pelo currículo integrado, por si só, não garante a efetivação de um projeto democrático de educação. Para que isto aconteça, é necessário que o currículo seja construído como resultado de um processo democrático de elaboração de conhecimento, envolvendo a participação de todos os professores e da comunidade acadêmica em geral.

Isso implica perceber os desacordos como expressão de tensões e lutas em busca de espaço e voz. Implica, igualmente, que o currículo, por meio dos conteúdos que legitima e silencia, esteja comprometido com um projeto democrático de educação voltado para a distribuição mais equânime do conhecimento e sua associação com finalidades sociais mais amplas. Além disso, assegura que o currículo, independentemente da sua organização, esteja a serviço de relações menos assimétricas entre os saberes e os atores do currículo.

Para construí-lo, é necessário que os professores se mobilizem em torno de uma formação humana competente do ponto de vista técnico, ético, estético e político com acento nas diferentes possibilidades metodológicas. Mais simples do que se imagina, isto pode ser alcançado por meio de conversas mais sistemáticas entre professores, nas quais as diferenças entre eles sejam mais respeitadas e as trocas de ideias e tensões vivenciadas durante o processo os incitem a pensar em si e na sua prática pedagógica. Eis aí o grande potencial do currículo integrado.

* Professora da Escola de Enfermagem da UFMG e coordenadora da comissão responsável pelo novo currículo em implantação

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