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Nº 1681 - Ano 36
1.2.2010

A praça é delas

Pesquisa premiada de arquiteto na pós-graduação da FaE
enxerga as crianças como sujeitos no espaço público

Itamar Rigueira Jr.

A Praça Jerimum, no bairro do Barreiro, em Belo Horizonte, foi projetada pelo arquiteto Samy Lansky com a participação da comunidade. E ele se surpreendeu quando voltou ao local para verificar o que os usuários fazem do espaço e dos equipamentos: descobriu que tudo – corrimãos, escadas, telefones públicos – vira brinquedo, e que os brinquedos, por sua vez, adquirem outras funções.

Esta e outras descobertas são resultado das pesquisas que Lansky – professor substituto da Faculdade de Arquitetura da UFMG – faz há alguns anos como aluno da pós-graduação da Faculdade de Educação (FaE). No doutorado, ele estuda como crianças circulam pela cidade. E com seu trabalho de mestrado – Praça Jerimum: cultura infantil no espaço público –, ganhou, no final do ano passado, o Prêmio Design (entre trabalhos escritos não publicados), do Museu da Casa Brasileira, de São Paulo.

Já há algum tempo Samy Lansky projeta parques infantis e brinquedos, mas logo sentiu falta de formação complementar em áreas como lazer e pegagogia. “Meu mestrado foi uma oportunidade muito rica de voltar a um espaço depois de pronto e tentar captar como as pessoas se apropriaram dele”, afirma o arquiteto. “Muito do que planejamos não dá certo, e acontece uma série de usos imprevistos. Os usuários são muito mais criativos do que se imagina”, acrescenta.

O pesquisador revela que passou a ver os arquitetos como “mediadores de relações em uma obra”, que envolve diversos agentes, do contratante ao usuário, passando por operários e fornecedores. “O arquiteto não é artista, ele tem muitos problemas reais em que pensar. Devemos nos colocar em outro lugar, ‘descer do mapa’ para o mundo real”, afirma Samy Lansky.

Dimensão social

Maria Cristina Soares Gouvêa, orientadora do mestrado de Lansky, chama a atenção para o caráter interdisciplinar das pesquisas do arquiteto e a dimensão social que ele confere à infância, normalmente vista apenas das perspectivas da psicologia e da pedagogia. “Seu trabalho considera a criança como sujeito da ocupação e uso do espaço público. Para o campo da educação, representa um alargamento da visão sobre a infância, analisada em ambientes educativos fora da escola. Além disso, será importante instrumento para municiar políticas públicas”, prevê Maria Cristina Gouvêa, que acompanhou as incursões de Samy Lansky por áreas como a etnografia.

Uma das referências mais importantes no trabalho de Lansky tem sido a obra do antropólogo da USP José Guilherme Magnani, que estuda a cultura popular urbana, e procura entender as classes populares não apenas pelo aspecto da carência, mas a partir de seu diálogo com o espaço urbano. Já o filósofo francês Henri Lefèbvre contribui com conceitos como o das diferenças entre espaço concebido, percebido e praticado.

Os estudos de doutorado significam, segundo Samy Lansky, uma tentativa de avançar no planejamento que considere a perspectiva dos usuários. Ele pretende entender a noção de infância construída pelos planejadores urbanos, o que existe em termos de políticas públicas e o reflexo disso sobre os espaços e a população. “Pesquiso principalmente a presença das crianças na cidade, se e como elas se apropriam e circulam pelos diversos espaços”, informa Lansky, que se detém sobre o parque da Barragem Santa Lúcia, Zona Sul da capital. De acordo com o pesquisador – que tem a companhia de seu cão nas visitas ao parque –, o local está na fronteira bairro-favela e reúne grupos diversos.

Samy Lansky dá sequência ao trabalho ainda mais animado pelo prêmio do Museu da Casa Brasileira. “É gratificante e surpreendente que um prêmio focado no design valorize a ideia de que sujeitos diversos dialogam com a cidade e também exigem arquitetura e design. Escolheram um trabalho que fala de crianças na periferia de Belo Horizonte, e que promove a interação de campos de estudo bem diferentes”, comemora o arquiteto e educador.