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Nº 1691 - Ano 36
19.4.2010

opiniao

Controle da dengue

David Pereira Neves*

Dengue é uma palavra de origem hispânica, que significa pessoa manhosa. Como os pacientes infectados pelo Vírus Dengue costumam apresentar manifestações que remetem a essa característica, a doença passou a chamar-se febre dengue, ou simplesmente dengue.

Os primeiros casos foram descritos em 1780, nos Estados Unidos. Anos depois verificou-se que o agente da febre dengue (expressão feminina) é o Vírus Dengue (expressão masculina), que pertence ao gênero Flavivirus (família Flaviviridae), com quatro sorotipos ou variedades: 1, 2, 3 e 4. Em 1906 descobriu-se que o vírus era transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e que seus reservatórios são os humanos e os mosquitos transmissores, não ocorrendo em animais. Assim, quando se fala sobre o Vírus Dengue, usa-se o masculino, e quando se refere à febre dengue, usa-se o feminino.

Durante e após a segunda guerra mundial, epidemias de dengue foram gravíssimas em diversas partes do mundo, especialmente na Ásia e na África. Na década de 1970, a febre dengue acometeu milhões de pessoas no mundo todo, sendo considerada uma das mais graves viroses humanas. Em 1981, ocorreu em Cuba a primeira grande epidemia descrita nas Américas, prontamente debelada.

Com relação ao controle dessa doença, como não existe vacina e nem terapêutica específica, a única alternativa possível é a eliminação do seu vetor, o Aedes aegypti. É importante salientar que esse mosquito é essencialmente doméstico, vivendo e procriando em pequenas coleções de água, dentro e ao redor das casas, voando pouco e picando sempre durante o dia. Isso significa que a existência desse mosquito depende dos cuidados de limpeza e conscientização de cada cidadão. Aliás, a ignorância e a indiferença são as causas da existência de várias pragas: analfabetismo, submissão, sujeira, corrupção, doenças endêmicas etc.

No Brasil há relatos de casos de dengue desde o final dos anos 1800 e princípios de 1900, embora sem registro de epidemias. Em 1904, o grande sanitarista Oswaldo Cruz iniciou importante campanha para combater o Aedes aegypti, visando à profilaxia da febre amarela urbana. Apesar das dificuldades técnicas e políticas enfrentadas – ele foi duramente combatido e difamado pela imprensa e pelo poder da época –, conseguiu eliminar o mosquito do Rio de Janeiro. Posteriormente, a campanha de combate ao Aedes aegypti expandiu-se por todo o país, o que resultou na ausência da febre amarela urbana e da febre dengue entre nós até a década de 1980.

Por volta de 1967, o Aedes aegypti foi reencontrado em Belém do Pará e em poucos anos se reinstalou em diversas cidades brasileiras. Em 1981 surgiu o primeiro surto de dengue em Roraima; em 1985 e 1986, no Rio de Janeiro, e depois em algumas cidades do Nordeste. A partir de 1991 diversos estados brasileiros reportavam graves surtos de febre dengue, os quais têm se repetido a cada ano.

No início de 1991, no Rio de Janeiro, um congresso sobre o “controle da dengue” preconizou forma totalmente errada para se combater o mosquito, baseada unicamente no uso de inseticidas dentro das casas, além do conhecido “fumacê”. Desconheciam-se as alternativas corretas para se eliminar o vetor, e eram usadas toneladas de veneno nas residências, na água e no ar. Desatino ambiental, desperdício de dinheiro e total ineficiência profilática.

Preocupado com a ineficiência desse tipo de combate ao inseto, propus mudanças radicais no controle do mosquito, baseado na ação do cidadão, as quais passaram a ser adotadas, porém com resultados ainda muito fracos.

Em decorrência disso, penso que para se fazer um controle efetivo do dengue, isto é, do Aedes aegypti, os pontos principais devem ser diferentes:

a) Se a principal ação humana que permite a proliferação do mosquito é deixar vasilhames diversos que funcionam como criadouros domiciliares, cabe aos moradores eliminar esses criadouros, pois é impossível o poder público cuidar de cada casa, especialmente tendo em vista a forte concentração urbana;

b) Para que cada cidadão tome consciência da importância de seu papel no controle do mosquito, é fundamental o esclarecimento da opinião pública, que deve ser permanente e amplo. Essa campanha tem que ser agressiva, envolvendo mídia, escolas, igrejas, campos de futebol, novelas etc., e com vistas à orientação e à responsabilização do cidadão pela eficiência do controle;

c) Deve ser enfatizado que cabe a cada morador a limpeza de sua casa, encarregando-se o serviço público do esclarecimento da população e do controle de áreas públicas, como praças, ruas e avenidas. Uma das falhas do controle é a visita esporádica de guardas sanitários nas casas, pois isso cria a falsa ideia de que está sendo feito o controle, e aí o morador não cuida de sua casa;

d) Para o sucesso da campanha é fundamental a existência de leis fortes que permitam multar aquele cidadão cuja casa permaneça com criadouros ativos do mosquito. Pesando no bolso, a aprendizagem é rápida e duradoura.

Essas medidas são objetivas e fortes – e eficientes. E é necessário que seja assim, pois experiências em diversas partes do mundo mostraram que o caminho para corrigir ações (ou omissões) humanas passa sempre pela conscientização e pela penalização (multas) dos omissos reincidentes. O bem-estar coletivo deve estar sempre acima da omissão individual.

*Professor aposentado de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e professor de Parasitologia da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana (Faseh)

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