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Nº 1717 - Ano 37
01.11.2010


Letras no FRONT

Pesquisadores da UFMG formam grupo e publicam livro sobre relações entre guerra e literatura

Itamar Rigueira Jr.

Com quantos tiros se faz uma obra literária? A pergunta, que parece apenas retórica, pode remeter a um dos aspectos envolvidos nos estudos sobre as relações entre guerra e literatura. Afinal, é preciso ter vivido batalhas de verdade para escrever um bom romance ou um belo poema sobre a guerra?

Essa é apenas uma questão – e das mais simples – com potencial para ocupar o foco dos pesquisadores do tema. Na UFMG, professores e estudantes de pós-graduação criaram no ano passado o Grupo de Estudos sobre Guerra e Literatura (Negue), ligado à Faculdade de Letras (Fale). E acaba de sair pela Editora UFMG o livro Literatura e guerra, com artigos sobre o assunto, organizado pelos professores Thomas LaBorie Burns e Elcio Loureiro Cornelsen.

Obras sobre história, estatísticas e estratégias de guerra compõem um estilo de produção que aborda os conflitos “de longe”, comenta o professor Thomas LaBorie Burns, da Fale, coordenador do Negue. “Poemas, contos, memórias e boa parte da ficção, por outro lado, mostram os sofrimentos, ganhos e aprendizados; denunciam ou até fazem apologia da guerra”, define Burns, que chegou a servir como paraquedista do Exército dos Estados Unidos, seu país natal, pouco tempo antes da partida dos primeiros soldados para o Vietnã, na década de 1960.

Segundo o coordenador do Negue, os estudiosos da literatura de guerra ainda tentam estabelecer parâmetros de análise, uma vez que são muitos os aspectos que uma obra do gênero pode contemplar. Um dos focos das pesquisas, revela o professor, está relacionado ao grau de correspondência com a realidade que se encontra numa obra de ficção. Nesse caso, um dos objetos de estudo é o chamado romance histórico, que cria personagens e os mistura a outros que existiram de verdade, todos imersos em situações reais.

Vietnã e Espanha

Além de Thomas Burns, o Núcleo de Estudos sobre Guerra e Literatura conta com a participação efetiva dos professores Volker Jaeckel – que estuda sobretudo a guerra civil espanhola – e Elcio Cornelsen, mais próximo de temas ligados ao nazismo. O interesse de Thomas Burns concentra-se na Guerra do Vietnã, objeto de seu pós-doutorado na Universidade do Colorado, com inspiração nas pesquisas do professor John Pratt, que também é romancista e foi piloto em campanha militar americana no Laos. Burns conta, a propósito, que está produzindo manuscrito sobre narrativas ligadas ao conflito no Vietnã.

“Uma de minhas preocupações é entender o clima nos Estados Unidos nos anos 60 e 70”, revela Burns, que por essa época foi estudante de letras clássicas em Berkeley, na Califórnia. “Eu tinha então uma visão diferente dos protestos antiguerra; pensava ser coisa de pessoas privilegiadas que atacavam injustamente meninos tão jovens. Eles foram usados, partiram para a Ásia embalados pelas histórias de seus pais e tios que estiveram na Segunda Guerra, e acabaram tendo uma grande desilusão. Os soldados na década de 40 eram em geral mais maduros e lutaram por um ideal democrático”, reflete o pesquisador, que se revela um pacifista formado pelo mergulho na temática da guerra.

O coordenador do Negue admite que parte da literatura sobre conflitos bélicos – especialmente uma produção mais popular – contribui para criar mitos em torno das guerras, mas há forte contraposição oferecida por “obras sérias e de qualidade, de teor crítico, que cumprem papel fundamental”.

Segundo Burns, o gênero abriga grandes autores com e sem experiência no front. “Muitos livros importantes foram escritos por mulheres e civis que não lutaram, como Stephen Crane, um dos grandes escritores sobre a guerra civil americana”, afirma. Para ficar num exemplo consagrado, um dos clássicos da literatura de guerra é Por quem os sinos dobram, ambientado na guerra civil espanhola. Seu autor, Ernest Hemingway, escreveu a obra-prima do alto de sua experiência na Segunda Guerra como motorista de ambulância da Cruz Vermelha no front italiano.