Busca no site da UFMG

Nº 1747 - Ano 37
5.9.2011

opiniao

Comunidade CIENTÍFICA, relações de GÊNERO e escola BÁSICA*

Luciano Mendes de Faria Filho** Eliane Marta Santos Teixeira Lopes***

Em cerimônia bastante concorrida, no dia 11 de junho, a presidente Dilma Roussef entregou a cinco pesquisadores brasileiros o Prêmio Anísio Teixeira. A solenidade fez parte das comemorações dos 60 anos da Capes. O prêmio, segundo o site da instituição, que a cada cinco anos escolhe os agraciados, “é uma homenagem ao educador Anísio Teixeira, intelectual baiano que difundiu o papel transformador da educação e da escola para a construção de uma sociedade moderna e democrática.” Todos os escolhidos – Fernando Galembeck (química), Álvaro Toubes Prata, João Fernando Gomes de Oliveira, Luiz Bevilacqua e Nelson Maculan Filho, os quatro da engenharia – são cientistas de grande destaque em suas áreas de atuação e nas comunidades científicas nacional e internacional. Merecem, pois, os parabéns de todos nós.

Chama a atenção, no entanto, o fato de que nenhuma mulher tenha sido escolhida para receber tão importante, rara e, por isso mesmo, de grande valor simbólico, condecoração. Considerando que há, em todas as áreas de conhecimento, mulheres que são excelentes cientistas, há de se perguntar o que isto revela sobre as relações de gênero na comunidade científica nacional. Sendo esta uma temática que já foi objeto de inúmeros trabalhos e discussões acadêmicos, gostaríamos aqui apenas de ressaltar que a premiação parece revelar o quanto a comunidade científica também está sujeita às desiguais relações de gênero que perpassam nossa sociedade.

É evidente que a premiação aludida é apenas a forma como, neste momento, tais desigualdades vêm a público; ela é, por assim dizer, a ponta do iceberg. Afinal, não é do desconhecimento dos cientistas das mais diversas áreas que as mulheres estão longe de alcançar em postos de comando de agências de fomento, comitês assessores e reitorias de nossas universidades a mesma presença que têm na produção científica nacional. Ou seja, mesmo que uma mulher tenha chegado ao mais alto posto da República, é desolador ver que, mesmo ela, tenha que se curvar às formas desiguais de distribuição de poder no interior da comunidade acadêmica. A esse respeito, podemos estar enganados, mas assistindo à cerimônia pela televisão, nos pareceu claro a surpresa da presidente quando viu que apenas aqueles cinco seriam os agraciados. Será que ela esperava que houvesse mulheres entre eles? Talvez.

É interessante notar, ainda, que entre os premiados não há ninguém da área das ciências humanas e sociais. A respeito disso, é importante lembrar que naquele que é considerado hoje pelo governo federal como o mais ambicioso projeto de formação de cientistas e internacionalização da pesquisa brasileira – o recém-lançado Ciência Sem Fronteiras, que pretende enviar mais de 70 mil jovens brasileiros para estudar no exterior, facilitar a vinda de pesquisadores estrangeiros ao Brasil e “repatriar” brasileiros – também as ciências humanas e sociais foram apenas tangencialmente contempladas. Poderíamos perguntar: seriam tais fatos reveladores de que é possível transformar o Brasil apenas com engenheiros, físicos, biológicos, químicos, desde que altamente qualificados? Ou, de outro modo, seriam reveladores da baixa valorização da contribuição das ciências humanas e sociais à democratização e ao desenvolvimento social e econômico do país?

Porém, a entrega do Prêmio Anísio Teixeira de 2011 é reveladora de outra coisa: entre os escolhidos não há nenhum que o tenha sido por contribuição relevante à educação básica. Ora, como sabemos, Anísio Teixeira foi o fundador da Capes. Mas, antes e acima de tudo, foi um intelectual, pesquisador, gestor e ativista ligado à causa daquela que hoje chamamos de educação básica. Esperava, inclusive, que a Capes pudesse oferecer uma contribuição substantiva à superação daquilo que ele mesmo, desde os anos 20, vinha denunciando como um dos grandes entraves à democratização do Brasil: a educação de qualidade como privilégio de poucos.

Pois bem, apesar de ser uma homenagem a Anísio Teixeira, e na cerimônia a importância da escola básica ter recebido destaque, inclusive porque a Capes assume agora importantes responsabilidades com esse nível da educação, soa muito estranho que nenhum pesquisador ou pesquisadora tenha sido escolhido por sua contribuição à educação pública oferecida à imensa maioria da população brasileira. Mais uma vez, a opção foi por privilegiar aqueles que, de forma reconhecidamente competente, diga-se de passagem, contribuíram com o ensino superior e com a pós-graduação. Isto não é pouco, mas, convenhamos, não faz justiça a todo o legado ‘anisiano’.

Considerando o valor simbólico do prêmio como um reconhecimento não apenas ao agraciado, mas, também, a sua área de atuação e contribuição, o esquecimento dos pesquisadores que, por meio de suas pesquisas em diversas áreas do conhecimento, contribuem para a melhoria da escola básica soa estanho, sobretudo neste momento em que a Capes se esforça para estruturar ações estratégicas para a educação pública.

*Versão ampliada de artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 4 de agosto de 2011
** Professor associado da Faculdade de Educação, ex-coordenador do Comitê de Assessoramento de Educação do CNPq e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022
*** Professora titular (aposentada) da UFMG e pesquisadora de história da educação e relações de gênero

Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, através de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 5.000 a 5.500 caracteres (com espaços) ou de 57 a 64 linhas de 70 toques e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIM encomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.