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Nº 1786 - Ano 38
20.8.2012

opiniao

A 64ª Reunião Anual da SBPC
e as africanidades

Wellington Marçal de Carvalho*

Ao participar da edição 64 da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no campus da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, em julho passado, e que teve como tema Ciência, cultura e saberes tradicionais para enfrentar a pobreza, me senti instado a compartilhar algumas inquietações sobre as quais tenho estado a refletir.

Isento-me da tarefa de discorrer sobre a relevância crucial dessa entidade para o desenvolvimento do nosso país e, não o fazendo, espero aguçar a curiosidade dos leitores deste BOLETIM para que visitem o sítio eletrônico da SBPC e vasculhem um pouco de sua magistral história. O fato é que, ao acessar o portal da UFMG, o qual noticiava a chamada de trabalhos para a 64ª Reunião, resolvi arriscar e submeter parte do resultado de uma pesquisa que desenvolvi na condição de mestrando em Letras, bolsista Capes, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, área de concentração Literaturas de Língua Portuguesa.

Em minha família são raríssimos os membros que concluíram o outrora denominado segundo grau e quase inexistentes aqueles que ingressaram no ensino superior – apenas dois casos. Por isso, o fato de ter recebido parecer favorável da comissão de avaliação é para mim motivo de muita alegria, além de constatar que estou a caminhar pela vereda correta, desta feita sob a chancela da SBPC.

Já em São Luís, na UFMA, devidamente credenciado, passo a folhear o caderno com a programação científica e de pôsteres em que a “SBPC agradece aos membros da comissão de avaliação dos resumos submetidos à 64ª Reunião [...] pela análise dos 4.910 trabalhos recebidos”. Destes, 189 foram submetidos por estudantes do ensino médio ou profissionalizante; 618 encaminhados por 51 instituições para a Jornada Nacional de Iniciação Científica e, por fim, 4.009 “trabalhos aceitos para a apresentação de pesquisas científicas, experiências e/ou práticas de ensino-aprendizagem e relatos de caso ou experiências, submetidos por estudantes de graduação ou pós-graduação, professores de ensino superior, pesquisadores, profissionais e professores de ensino básico e/ou profissionalizante”.

Os 4.816 trabalhos programados foram divididos em sessões diárias compostas por algo em torno de 960 pôsteres, abarcando cada área do conhecimento, inclusive Artes, Letras e Linguística, na qual eu me inscrevi. Este grupo teve os seus 256 trabalhos assim subdivididos: Artes (com 52 no total), Letras (47), Literatura (53), Linguística (95) e Semiótica (9).

Pois bem, a partir dos dados apresentados, chego ao ponto que me propus aqui discutir. Causou-me alguma perplexidade verificar que apenas três trabalhos versavam sobre literaturas africanas. Mesmo que não consideremos quaisquer dos estados particularmente, tampouco o idioma oficial como delimitador, para assim acolher as 54 nações daquele continente, o montante permanece igual: i) “Dos rochedos da Tundavala à estepe mongol: uma leitura do espaço, em O planalto e a estepe, de Pepetela” [escritor angolano], cujos proponentes são vinculados à UFMA; ii) “Viagem por outros mares: diáspora africana e seus mapas literários”, vinculado à UFJF; e iii) “João Vêncio, o narrador transculturado”, de minha autoria, sob a orientação da professora Maria Nazareth Soares Fonseca, na PUC Minas. Esse trabalho objetivava testar a razoabilidade de se considerar a personagem principal, que também funciona como narrador, do romance João Vêncio: os seus amores, do angolano Luandino Vieira, exemplo de narrador transculturado. Sustenta essa tese o fato de ter sido utilizado na construção da trama narrativa o mecanismo do ambaquismo literário para transgressão da língua portuguesa.

Obviamente, muitos grupos de pesquisa se dedicam às literaturas africanas. Ainda são várias as motivações que levam os pesquisadores a tomarem a decisão de comunicar os resultados de seus trabalhos nesse ou naquele evento. Todavia, se pensarmos na abrangência de instituições envolvidas em uma única edição da Reunião (a expectativa, em São Luís, era de mais de 20 mil participantes), não resta dúvida de que este é um espaço estratégico a ser ocupado pelos estudos cujo objeto de reflexão são literaturas produzidas em África por escritores africanos.

Um pouco de ousadia me autoriza a dizer que esse quadro poderá ter outros matizes, por exemplo, por meio da efetiva aplicação da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabeleceu “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-brasileira’”, sendo que os conteúdos “serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”.

Ainda que o texto legal não tenha estendido a norma à esfera do ensino superior, esse segmento, por si só, tem argumentos de sobra para chamar para si a parcela que lhe cabe nessa diligência. É primordial o rearranjo da grade curricular dos cursos de Letras, ao menos para que sejam ofertadas, orgânica e regularmente, no elenco das disciplinas do tipo “obrigatório”, cursos cujo ementário se debruce em problematizar e perspectivar a produção literária oriunda do continente africano.

Enquanto isso não se concretiza, fico a matutar sobre uma passagem da entrevista que o historiador, organizador dos dois primeiros volumes da Coleção História Geral da África, pela Unesco, Joseph Ki-Zerbo, natural de Burkina Fasso, concedeu a René Holenstein, e que foi publicada em Para quando a África?, na qual declarou que não haverá salvação para esse impasse se ficarmos de braços cruzados. “Se nos deitamos, estamos mortos.”

A África é para agora!

*Servidor técnico-administrativo em educação. Bibliotecário-documentalista lotado na Biblioteca da Escola de Música da UFMG