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Nº 1791 - Ano 38
24.9.2012

Me engana que eu gosto

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Como se pode ver aquilo que, de antemão, se sabe ser de realização impossível? Será que o mundo é percebido como, de fato, ele é? Ou as pessoas vivem em um universo de ilusões, imersas em um grande show de mágicas? Respostas para essas e outras perguntas serão dadas pelos neurocientistas Stephen Macknik e Suzana Martinez-Conde, do Instituto Barrow de Neurologia, de Fênix, no Arizona, Estados Unidos, reconhecido internacionalmente por seus estudos neurocientíficos. Os dois ministram as conferências de abertura e encerramento do Simpósio.

A tese defendida pelos estudiosos é de que compreender como o cérebro processa os truques de ilusionismo pode ajudar a abordar aspectos comportamentais e distúrbios de atenção, além de desvendar questões relacionadas à consciência e à personalidade individual, entre outras. Ao aprofundarem-se na área, que conheceram por acaso, eles acabaram desenvolvendo um campo de investigação que tem a mágica como instrumento de pesquisa.

De acordo com os pesquisadores, muito já se conhece sobre a prestidigitação (técnica que permite dissuadir a atenção por meio do movimento rápido com as mãos), os truques dos profissionais, os mais recentes acessórios de apoio e as rações psicológicas aos feitos do ilusionismo, mas a neurociência vai mais fundo na investigação. “Queremos revelar o interior do cérebro no momento em que somos enganados por truques de prestidigitação. Queremos explicar, em um nível fundamental, por que somos tão vulneráveis aos truques da mente. Queremos entender por que a ilusão é parte integrante do caráter humano e que enganamos uns aos outros o tempo todo, e, por isso, vivemos melhor e usamos menos recursos cerebrais para fazê-lo, por causa da maneira pela qual nosso cérebro produz atenção”, afirma a dupla, em livro sobre o assunto.

Um adepto dessa linha de raciocínio é o médico-pediatra e mágico Eduardo Costa Tavares, professor aposentado da Faculdade de Medicina, atualmente docente da Universidade Fumec e da PUC Minas. Segundo ele, é antiga a preocupação dos neurocientistas em descobrir os mecanismos que levam ilusionistas a impressionar as pessoas com efeitos que a lógica e a ciência demonstram ser impossíveis. “Os neurocientistas Macknick e Martinez-Conde resolveram aprofundar a teoria de que isso só é possível porque nosso cérebro, apesar de toda a sua evolução, tem limitações para perceber a realidade, se é que existe uma realidade”, pondera.

O que ocorre, de acordo com o professor, é que cérebro, baseado em experiência anteriores, recebe estímulos parciais e fragmentados, por meio dos órgãos dos sentidos, e completa as partes que faltam nesse quebra-cabeça. Resumo da ópera: é o cérebro que cria a própria realidade. “Por isso identificamos imagens conhecidas nas nuvens, em um papel ou na superfície de Marte; ou enxergamos uma mulher ser cortada ao meio, e depois reconstituída sem qualquer lesão”, exemplifica Eduardo Tavares.

Medicamento nem sempre é o remédio

O psiquiatra Arthur Melo e Kümmer, professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, autor da primeira tese defendida no Programa de Neurociências da UFMG e um dos convidados da Semana, destaca que o avanço do conhecimento científico em relação ao comportamento humano e ao cérebro tem implicações positivas não só para as áreas da saúde, mas também para a educação, justiça, economia, política e artes. 

No caso das áreas de saúde, conhecer melhor as causas ou fisiopatologias de uma doença neurológica ou psiquiátrica, por exemplo, possibilita o desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e tratamento. Para alguns pacientes com transtorno psiquiátrico, pode ser um alento saber que seu problema de saúde tem origem em um mau funcionamento cerebral, e que não se trata de uma questão moral ou espiritual, como ainda se pensa.

“A via da medicação nem sempre é a solução para um problema cerebral”, afirma o psiquiatra. “As neurociências têm demonstrado que atividades social e física, sono de qualidade e alimentação balanceada modificam para melhor o funcionamento cerebral”, reforça Kümmer, salientando, no entanto, que esses conhecimentos não são prontamente absorvidos pelos profissionais da área.

Também graças às neurociências e suas interfaces, é possível compreender que dificuldades de aprendizagem observadas em algumas crianças não estão associadas à “malandragem” ou à “preguiça”. Estudos revelam que existem problemas no desenvolvimento de determinadas áreas cerebrais nas crianças diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e dislexia. Arthur Kümmer cita levantamento feito na Faculdade de Medicina da UFMG que constatou subdiagnóstico e subtratamento do TDAH em escolas públicas de Minas Gerais. “Nesses casos são necessários tratamentos específicos e adequação dos métodos pedagógicos”, adverte ele, ao lembrar que “o medicamento ajuda muito, mas ainda não é disponibilizado pelo SUS”.

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