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Nº 1792 - Ano 39
1.10.2012

Sem dominadores nem dominados

Em conferência que abre seminário da rede de pesquisadores sobre globalização e território, reitor Clélio Campolina analisa nova geopolítica e defende internacionalização solidária

Ana Rita Araújo

O histórico papel subalterno da América Latina nas relações políticas e econômicas com os países industrializados começa a mudar devido à crise das antigas hegemonias e o surgimento de novos atores de peso no cenário geopolítico mundial. Contudo, para aproveitar a oportunidade oferecida pelo rearranjo de forças mundiais, a região precisa investir não somente na própria integração físico-territorial, mas também em políticas macroeconômicas, sem repetir os erros da União Europeia. Essa é a tese que o reitor Clélio Campolina defenderá nesta segunda-feira, 1º de outubro, durante a conferência de abertura do XII Seminário Internacional da Rede Ibero-americana de Pesquisadores sobre Globalização e Território.

“O futuro da América Latina e em especial da América do Sul passa por maior integração da região”, reitera Campolina, professor do Departamento de Ciências Econômicas, coordenador geral do Seminário e que vem se dedicando à análise da relação entre desenvolvimento e território. Segundo ele, são necessárias mudanças estruturais profundas, que resultem em maior capacidade de produção e de competição. São decisivas para isso educação, ciência e tecnologia, estabilidade democrática e institucional, reformas tributárias que permitam melhor distribuição da renda e reformas urbanas que minimizem os efeitos do rápido crescimento das cidades sem a respectiva infraestrutura. Com relação ao papel do Brasil nesse contexto, Campolina sugere “uma internacionalização solidária, sem submissão nem dominação”.

Multipolarização

Na conferência, que acontece no auditório da Reitoria da UFMG, a partir de 11h, no campus Pampulha, o economista fará um balanço da crise mundial e das mudanças geopolíticas dela decorrentes, antes de abordar a inserção da América Latina no novo cenário. Campolina relembra que, após a Segunda Guerra, o sistema econômico mundial tinha como pilares as hegemonias norte-americana, no chamado mundo ocidental, e soviética, no bloco socialista. A crise que atingiu o bloco soviético e, posteriormente, o enfraquecimento da economia americana, centro do capitalismo mundial, foi acompanhada pela emergência de novo conjunto de países com peso econômico e político, como China e, mais recentemente, Índia, Coreia, Cingapura, Taiwan, Malásia, Brasil e Turquia, entre outros.

“Há uma profunda mudança na geografia econômica e no poder político, ou seja, no cenário geopolítico”, resume Campolina, ao citar números que confirmam o crescimento relativo das chamadas economias emergentes e a queda de países industrializados. Com relação ao Produto Interno Bruto (PIB) mundial, entre 2000 e 2010, o peso dos Estados Unidos caiu de 31% para 24%, o do Japão, de 14% para 9%, e o da Alemanha, de 5,9% para 5,4%. O da China subiu de 3,8% para 9,8%, o da Índia cresceu de 1,4% para 2,9% e o brasileiro, de 2% para 3,5%.

Já a participação dos Estados Unidos nas exportações mundiais, no mesmo período, caiu de 14% para 10%, enquanto no Japão a queda foi de 6,6% para 4,7% . Já a Alemanha teve um pequeno aumento, em função do crescimento inter-regional do comércio na União Europeia.

Ao mesmo tempo, a participação da China nas exportações mundiais saltou de 3,6% para 10%. No caso brasileiro, a proporção variou de 0,8% a 1,3%, enquanto a Índia também partiu dos mesmos 0,8% para alcançar 2,1%. “Essa mudança no peso econômico traz alterações no peso político e não é à toa que o antigo e seleto grupo de países que formavam o G4 virou G7, depois G8 e hoje é G20. Enfim, há mais nações incluídas nos acordos internacionais e na governança global”, pondera Campolina.

Ele lembra que, ao lado de instituições que operam formalmente tal governança, como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, grupos informais reúnem as nações que têm maior influência na economia mundial. “O capitalismo já não pode deixar de fora países como China, Índia, Brasil, Turquia e México, entre outros”, reitera.

Campolina cita também o novo papel do continente africano, que tem se tornado uma nova fronteira de ocupação na busca por terras agriculturáveis, matérias-primas e insumos como petróleo. Segundo ele, fatores como a descolonização e a expansão de economias como a da África do Sul e de Angola têm levado o mundo a lançar um novo olhar sobre o continente, que tem 1 bilhão de habitantes, distribuídos em área equivalente a 22% do território mundial.

Ele comenta que, somadas, China e Índia alcançam 2,5 bilhões de habitantes, 37% da população mundial. Na medida em que essas economias crescem e se industrializam, as pessoas mudam do campo para a cidade e aumentam não apenas a demanda por matérias-primas industriais, como também por alimentos. “Por isso, a África se transforma também em fronteira de recursos naturais. Tudo isso é consequência da crise mundial que enfraquece Europa e Estados Unidos e da ascensão de um conjunto de novos países”, resume.

Pagar a conta

No processo de integração mundial, escala é elemento inquestionável, afirma Campolina, que aponta três indicadores fundamentais: tamanho do território, da população e do PIB. São esses os fundamentos que justificam o agrupamento de Brasil, Rússia, Índia e China em um mesmo bloco de países, conhecido pela sigla Bric. Assim, no contexto da América Latina, para que haja a internacionalização solidária proposta pelo pesquisador, é fundamental o entendimento entre as maiores economias, a exemplo de Argentina, Brasil e México.

“A posição desses países é decisiva para fazer a política de integração, inclusive em uma postura de solidariedade aos pequenos, pois os mais ricos têm que pagar a conta para melhorar a posição relativa dos demais”, define. Embora não seja fácil, tal arranjo é imprescindível para garantir a unidade e o crescimento da região, assegura.

Na prática, a integração incluiria os âmbitos físico-territoriais; compatibilização das políticas macroeconômicas, incluindo as de comércio exterior; ações estruturantes, a exemplo do sistema de transportes, para fortalecer a complementariedade das estruturas produtivas de comércio inter-regional; e certa compatibilidade dos diferentes sistemas educacionais, que incluiria política de reconhecimento mútuo de títulos, com reflexos no futuro mercado de trabalho. “Em síntese, a região precisa buscar uma reestruturação produtiva em prol de atividades mais intensivas em ciência e conhecimento, e menos dependentes das exportações de commodities primárias”, propõe Campolina.

Em sua opinião, instituições como o Mercosul precisam ser revigoradas e repensadas para potencializar a integração da região, inclusive observando os acertos e os erros de outras integrações regionais, como a União Europeia. O reitor da UFMG relembra que a união da região vem sendo pensada em termos institucionais desde a criação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1948. Posteriormente surgiram a Área de Livre Comércio da América Latina e Caribe (Alalc), sucedida pela Associação Latino-Americana de Integração e Comércio (Aladi), porém sem grande repercussão. “A criação do Mercosul representou um salto, embora o bloco ainda seja um pouco limitado no que se refere ao número de países”, avalia o pesquisador.

Ele lembra que, por razões históricas, a ocupação da América do Sul se deu pelas costas – a Atlântica, no caso do Brasil, Argentina e Uruguai, e a do Pacífico no Chile, Peru, Colômbia e Venezuela – e, no meio, a ausência de um sistema de comunicação que integrasse os países sul-americanos. Relativamente isolado, o Brasil “sempre olhou para o Atlântico, para os Estados Unidos e a Europa, e agora para a Ásia, mas muito pouco para os seus vizinhos”, descreve o economista.

REDE REÚNE PESQUISADORES
QUE ESTUDAM O TERRITÓRIO

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Pela segunda vez em 24 anos de existência, a Rede Ibero-americana de Pesquisadores sobre Globalização e Território realiza no Brasil seu encontro bienal. Em 2004, o Rio de Janeiro sediou o evento, que acontece até quinta-feira no Conservatório UFMG, sob a coordenação do reitor Clélio Campolina e apoio do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar).

No XII Seminário Internacional da Rede Ibero-americana de Pesquisadores sobre Globalização e Território serão apresentados 197 trabalhos, nos seis grupos temáticos em torno dos quais se organiza a Rede: Sistemas produtivos locais, redes de inovação e desenvolvimento territorial; Desigualdades socioterritoriais; Desenvolvimento territorial, políticas e participação; Mudanças urbanas e metropolitanas; Transformações produtivas e dinâmicas territoriais; e Cidades médias: transformações e perspectiva. Também será apresentado no evento o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Confira a programação no site www.rii2012.com.br.

A Rede é a instituição que mantém o intercâmbio de pesquisadores ibero-americanos nas temáticas urbanas e regionais. Seu grande ideólogo, segundo o professor Campolina, é o chileno Carlos de Mattos, que preside o Comitê Científico. Ele foi funcionário das Nações Unidas e hoje é docente na Universidade Católica do Chile. O comitê científico da entidade é composto por representantes de nove países.

Ao lado de Campolina, como representante do Brasil, estava a professora Ana Clara Torres Ribeiro, que faleceu em dezembro de 2011 e será homenageada durante o encontro. Socióloga, doutora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo, Ana Clara foi professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 1987 e pesquisadora 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Presidiu, a partir de maio de 2011, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

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