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Nº 1794 - Ano 39
15.10.2012

opiniao

A ciência com olhar para o futuro*

Isaac Roitman**

A ficção científica é uma dimensão literária desenvolvida no século XIX que reúne a imaginação e o impacto da ciência na extrapolação sobre fatos e princípios científicos. Os primeiros clássicos do gênero foram Frankenstein, de Mary Shelley (1818), e a obra de Robert Louis Stevenson, O médico e o monstro (1886).

Julio Verner, conhecido como o pai desse gênero literário em suas famosas histórias de aventura, narrava descobertas científicas muito antes delas se tornarem realidades descrevendo viagens espaciais (Viagem ao redor da lua, de 1869) e mundo submarino (Vinte mil léguas submarinas, de 1870). Mais recentemente esse gênero literário tem sido representado por escritores notáveis como Herbert G. Wells, Isaac Asimov e Arthur Clarke, que anteciparam inventos e descobertas que indicam que não estamos muito longe de um mundo cheio de robôs.

O conhecimento científico se tornou o valor mais importante para o desenvolvimento social, econômico e político do século XXI e as políticas na área devem ser planejadas em curto, médio e longo prazos. O desenho do futuro é estudado por meio da prospecção que se caracteriza como o processo que se ocupa de procurar, sistematicamente, o exame do futuro da ciência e da sociedade, com o objetivo de identificar as áreas de pesquisas estratégicas e as tecnologias emergentes capazes de gerar benefícios econômicos e sociais. Nesse processo procura-se entender as forças que orientam o futuro, antecipar e entender o percurso das mudanças, subsidiar o processo de tomada de decisões e priorizar as ações em ciência, tecnologia e inovação.

Ao contrário das previsões dos escritores ficcionistas, a prospecção vale-se de metodologias apropriadas, sendo hoje uma atividade coletiva. Ela ganhou força a partir da década de 80 do século passado, face às profundas mudanças políticas, econômicas e tecnológicas. Em 1993 o Reino Unido criou o Programa de Prospecção Tecnológica com o objetivo de reunir cientistas, tecnólogos, empresas e consumidores para discutir o futuro.

"Independentemente das reflexões sobre as áreas estratégicas prioritárias, a formação correta dos futuros pesquisadores deve ser moldada pela excelência e iniciada na educação infantil, principalmente entre zero e seis anos de idade, na qual a curiosidade, a imaginação e o exercício do pensar deverão ser estimulados".

Entre nós, a iniciativa mais marcante foi a criação, em 2001, do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), que vem desenvolvendo estudos com visão prospectiva, avaliação estratégica, informação em ciência, tecnologia e inovação. Nos exercícios de prospecção são identificadas áreas prioritárias que devem ser acompanhadas de avaliações dos impactos das tecnologias em várias dimensões como educação, saúde, meio ambiente, ética e as questões sociais.

É absolutamente fundamental que os gestores públicos das áreas de ciência e tecnologia não se preocupem somente com os resultados em curto prazo, que podem render dividendos políticos, mas sobretudo com a implantação de projetos e ações que podem impactar a qualidade de vida das futuras gerações.

Inspirado no pensamento de John Dewey – “Todo grande progresso da ciência resultou de uma nova audácia da imaginação” –, devemos colocar a formação de recursos humanos como eixo central para o desenvolvimento científico e tecnológico. Independentemente das reflexões sobre as áreas estratégicas prioritárias, a formação correta dos futuros pesquisadores deve ser moldada pela excelência e iniciada na educação infantil, principalmente entre zero e seis anos de idade, na qual a curiosidade, a imaginação e o exercício do pensar deverão ser estimulados.

O objetivo do ensino fundamental e médio deverá ser o de dar competência ao estudante para que possa mobilizar os seus recursos cognitivos para a resolução de novos problemas e desafios. É importante identificar e desenvolver o talento de jovens estudantes com altas habilidades, através de programas educacionais bem estruturados. Os programas de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para estudantes de ensino médio e universitário deverão ser ampliados e aperfeiçoados para alimentar os cursos de pós-graduação com estudantes familiarizados com o pensamento científico. Por sua vez, esses cursos devem ser planejados para formar recursos humanos adequados nas áreas estratégicas priorizadas.

Planejar a ciência com o olhar para o futuro é colocar em prática o pensamento de Mahatma Gandhi: “O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente”.

*Artigo publicado no Correio Brasiliense de 8 de Outubro
** Professor na Universidade de Brasília