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Nº 1798 - Ano 39
12.11.2012

opiniao

UFMG, 85 anos e grandes desafios

Luciano Mendes de Faria Filho*

As comemorações dos 85 anos nos oferecem a oportunidade de discutir os desafios que se colocam para a nossa jovem e quase centenária universidade. O primeiro deles é a própria posição da UFMG frente ao modelo universitário brasileiro. Recentemente o jornal Folha de S.Paulo publicou ranking em que a UFMG aparece como a segunda melhor universidade brasileira, superada apenas pela USP.

Mesmo considerando todas as críticas feitas à metodologia de elaboração de classificações como essa, gostaria de lembrar que a posição da UFMG não foi conseguida devido à excelência do ensino ou da pesquisa, e sim devido à acolhida que os profissionais aqui formados têm no mercado de trabalho. Utilizo tal exemplo para chamar a atenção para o fato de que nos próximos anos a UFMG precisa equacionar um problema crucial, que é a necessidade de articular ensino, pesquisa e extensão. A quantidade de aulas que ministramos, aliada ao fato de a extensão ter se transformado em formas diversas de prestação de serviços – as quais contribuem para a complementação salarial e para a manutenção da própria universidade –, concorre nitidamente com a pesquisa de ponta.

O segundo grande desafio é a profissionalização da administração universitária. A UFMG cresceu, ficou mais complexa, consolidou-se como uma das mais importantes universidades brasileiras e alcançou posição relativamente boa no cenário internacional. No entanto, todo esse movimento não se fez acompanhar pelo crescimento e pela profissionalização de seu corpo administrativo nem pela atualização de sua estrutura funcional. Existe uma enorme distância entre o corpo técnico-administrativo e as atividades-fins da Universidade, assim como há uma inoperância para responder aos desafios que se colocam no cotidiano da pesquisa, do ensino e da extensão.

Do mesmo modo, a definição política (e legal) de que não apenas a administração acadêmico-científica, mas também a financeira e de pessoal, deve ser feita pelo corpo docente faz com que impere, muitas vezes, um estranho e intenso amadorismo muito pouco afeito à complexidade dessas funções.

Quando se fala de dotar a Universidade de uma estrutura e de um modelo de gestão à altura de suas complexas funções, não podemos deixar de apontar como grande desafio a forma de escolha e ocupação dos seus órgãos de direção. Não há dúvida de que há um grande esvaziamento dos órgãos de gestão colegiada, sobretudo no âmbito das unidades. Não menos importante é discutirmos profundamente os problemas trazidos pelo próprio modo de escolha dos dirigentes máximos da instituição, ou seja, os nossos reitores e reitoras. Penso que o atual modelo de eleição pode, mesmo que permaneça a divisão atual dos pesos entre os três segmentos, evoluir para formas muito pouco afeitas à boa administração acadêmico-científica da Universidade. Os efeitos de uma excessiva partidarização das eleições dos reitores podem ser danosos para o futuro da instituição.

Dar ênfase à pesquisa como específica contribuição das universidades ao desenvolvimento brasileiro impõe, mais do que nunca, o desafio do debate coletivo sobre as relações da universidade com o mundo da produção e com o Estado nos âmbitos municipal, estadual e federal. Se a UFMG não vai produzir aviões, carros, remédios, sapatos e os demais produtos que resultam da intensa atividade de pesquisa de seus corpos discente e docente, impõe-se a necessidade de articular nossa produção científica com o setor produtivo, transformando-a em ­tecnologia e em produtos “finais”.

Essa necessária articulação não significa, como temem alguns, que a pauta da pesquisa seja estabelecida de fora para dentro, muito menos o abandono da pesquisa sobre as chamadas tecnologias sociais, as quais têm grande impacto social, mas pouco retorno financeiro. Do mesmo modo, é importante a articulação com as diversas instâncias do Estado nacional para fazer com que as políticas públicas acolham de forma mais produtiva e eficiente os conhecimentos, as tecnologias e as metodologias produzidos no âmbito da pesquisa científica.

Por outro lado, essa articulação não deveria resultar na assunção, pelos professores, da responsabilidade pela operacionalização e gestão das políticas públicas, pois acaba por desobrigar o Estado de montar corpo técnico especializado e profissionalizado necessário à execução dessa tarefa.

Tudo isso aponta para o desafio de construção da autonomia universitária. Posta na Constituição de 1988 e jamais regulamentada, é uma exigência fundamental para viabilizar a UFMG como universidade de destaque nacional e internacional. Não é possível fazer projeto e política acadêmica com as amarras que pairam hoje sobre a instituição. Do mesmo modo, não é possível estabelecer políticas de médio e longo prazos se não tivermos completa autonomia de gestão dos profissionais da própria Universidade.

Finalmente, o desafio dos desafios: atualizar o projeto acadêmico-científico da UFMG. Quem acompanhou as atividades das greves sabe que elas expuseram nossas entranhas e de lá veio um importante aviso sobre o perigo de esfacelamento institucional. Não cuidar das profundas divisões internas anunciadas pelas greves pode significar, em curto prazo, a inviabilização da própria Universidade como corpo coletivo. Se é minimamente verdadeiro, tal diagnóstico coloca, sobretudo para o Reitorado em curso e para o próximo, o desafio de dialogar intensamente com os vários setores, de elaborar claras políticas de ensino, pesquisa, extensão e de pessoal e dirigir a Instituição na direção apontada por esse projeto pactuado coletivamente.

*Professor da FaE e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022