Para folhear

Amir Brito

Itamar Rigueira Jr.

Não importa a tiragem – que pode ser de 20 exemplares ou de alguns milhares –, nem o preço – é comum que sejam acessíveis e pequenos, para serem desfrutados a qualquer hora e em qualquer lugar. O que define o livro de artista é a autonomia como obra de arte e, ainda, o fato de que cada um deles demanda sua própria teoria, diferentemente do que é usual com relação aos livros de literatura.

A descrição dos livros de artista foi utilizada na tese defendida na semana passada pelo professor Amir Brito Cadôr, da Escola de Belas-Artes, para mostrar como uma obra desse gênero produz sentido. “Meu objetivo foi colocar os livros de artista em relação uns com os outros, percebê-los como parte de um sistema de conhecimentos e aproximá-los de conceitos associados à prática enciclopédica”, explica o pesquisador.

O enciclopedismo está presente nos livros de artista em aspectos como procedimentos de pesquisa, coleção, catalogação e classificação de imagens. Assim, uma obra pode abordar igrejas destruídas a partir de desenhos ou reproduzir imagens de uma enciclopédia real sob um critério novo. Os livros abordados pela tese se caracterizam por conter pouquíssimo ou nenhum texto.

“Procuro mostrar como se dá a produção e transmissão de conhecimento por meio de imagens, pensadas do ponto de vista dos artistas que se apropriam de ilustrações técnicas e de procedimentos científicos para instaurar a dúvida mais do que produzir certezas”, escreve Amir Brito em texto elaborado para a defesa.

Pesquisador-artista

A primeira ideia de Amir para o doutorado foi a criação de enciclopédia para contar a história da escrita e sua relação com as artes visuais. Mas a observação por outro ângulo da coleção de imagens que utiliza para produzir seus próprios livros de artista levou à descoberta de aspectos do enciclopedismo e mudou o rumo de sua pesquisa. Em Specimen book, por exemplo, Amir Brito faz um inventário das figuras mitológicas associadas à história da escrita, como o “macaco de tinta”, que n’O livro dos seres imaginários, de Jorge Luís Borges, se alimenta de nanquim.

Os livros de Amir compõem coleção que ele ajudou a criar na Biblioteca Universitária (em parceria com a Escola de Belas-Artes), e que já conta com mais de 300 títulos. “No Brasil, os textos teóricos sobre os livros de artista falam sempre das mesmas obras, é preciso que esse material esteja mais acessível”, ele justifica.

Em um dos capítulos de seu trabalho, Amir especula sobre a atuação de um iconógrafo (o responsável pela escolha das imagens) na concepção de uma enciclopédia. Ele reflete também sobre “como um texto deixa de ser texto para ser imagem, o que ajuda a pensar numa enciclopédia composta apenas por imagens”.

“Se um texto escrito está exposto à interpretação do leitor, isso é ainda mais forte com relação às imagens, e é importante perceber como o contexto modifica o sentido das imagens”, comenta o pesquisador, que leciona no curso de Artes Visuais da EBA.

A tese de Amir Brito desenvolve o tema analisando diversos livros de artista. Num deles, o espanhol Joan Fontcuberta simula um catálogo de exposição de fotos de Picasso, Miró, Dalí e Tàpies – a dúvida quanto à autoria das imagens só é dissipada por pequeno texto ao final. Outro é feito de fotografias de jardins botânicos em diversas partes do mundo, mas plantas e locais não são identificados. E livro produzido por grupo holandês imita manuais de câmeras fotográficas, reproduzindo imagens típicas dessas publicações sem qualquer texto explicativo.

O trabalho menciona também um livro de pequenas dimensões produzido pelos professores da Escola de Arquitetura da UFMG Renata Márquez e Wellington Cançado. Eles associam fotos de folhetos de propaganda de imobiliárias a gêneros da pintura, como retrato, paisagem e natureza morta, propondo percurso inusitado pelos espaços privados da cidade.