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Nº 1808 - Ano 39
18.2.2013

Ars Nova está de volta

Vinculado à UFMG, um dos mais respeitados e premiados grupos corais do país retoma atividades este ano

Itamar Rigueira Jr.

Inspiração para o canto coral no Brasil durante décadas, o Ars Nova – Coral da UFMG está de volta ao cenário artístico brasileiro e internacional. Com quase 50 anos de vinculação à UFMG e depois de cerca de quatro anos inativo, o Ars Nova retoma ensaios, concertos e gravações sob direção da maestrina Iara Fricke Matte, professora da Escola de Música da UFMG. O primeiro concerto da nova fase está previsto para maio deste ano.

O objetivo é, ao mesmo tempo, preservar a história do grupo e reconstruí-lo com base na realidade atual, dos pontos de vista cultural, artístico e acadêmico. O projeto prevê a implantação do Centro de Memória e Pesquisa: Ars Nova, que vai reunir produção e história do grupo, e disponibilizar o acervo a pesquisadores – para estudos apoiados em fontes primárias – e outros interessados no tema.

O ano de 2013 será dedicado, de acordo com Iara Fricke Matte, à formação da identidade sonora do novo coro e ao processo de criação das bases artísticas do trabalho. “Vamos nos basear nos preceitos tradicionais de construção da sonoridade coral, somados a explorações vocais que visam ampliar as possibilidades expressivas do grupo. O objetivo é alcançar uma interpretação musical a um tempo sólida e flexível, bem como o crescimento artístico de cada um de seus integrantes e do coro como um todo”, explica a regente.

Ela acrescenta que o grupo será formado por 28 cantores, formação menor que a do antigo Ars Nova. O repertório terá ênfase em obras contemporâneas, renascentistas e barrocas, incluindo a divulgação da produção coral brasileira. “Isso não exclui a possibilidade de montagem de obras de outros períodos, que serão contempladas em projetos específicos”, acrescenta Iara Fricke Matte.

O coro vai realizar concertos dentro e fora da UFMG, participar de festivais, nacionais e internacionais, e gravações. Além disso, a ideia é promover a première de obras de compositores da atualidade, concertos didáticos, além de envolvê-lo em projetos acadêmicos.

Influência

Iara Fricke Matte revela que o grupo influenciou sua carreira e a instigou a buscar aprimoramento em universidades de ponta no exterior. “O Ars Nova, sob a regência do maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca, foi durante muito tempo inspiração para o canto coral no Brasil. Assisti a concertos memoráveis”, diz a professora, que se graduou em Música/Regência pela Unicamp e tem mestrado e doutorado em Regência Coral, realizados respectivamente nas universidades de Minnesota e Indiana, ambas nos Estados Unidos.

Ela ressalta que o convite para reger o grupo foi uma “surpresa gratificante, estimulante e desafiadora”. É uma grande oportunidade artística na área de conhecimento à qual venho me dedicando há muitos anos, e sou consciente das conquistas do antigo Ars Nova e do valor do seu legado para a construção de um novo trabalho”, afirma Iara.

O Ars Nova – Coral da UFMG será constituído de sete cantores por naipe (soprano, contralto, tenor e baixo), e cada naipe será dividido em vozes agudas e graves (primeiro e segundo soprano, por exemplo). O naipe de contraltos prevê participação de contraltos femininos e contratenores. A expectativa para seleção dos novos integrantes é enorme. “O Brasil tem ótimas universidades e professores particulares de canto que formam excelentes cantores”, ela diz.

As inscrições serão abertas para cantores profissionais, semiprofissionais e amadores, e o processo seletivo vai incluir biografia, carta de intenções, entrevista e teste vocal. Para essa prova prática, os candidatos deverão preparar obra vocal à sua escolha e demonstrar conhecimentos específicos, como o solfejo (leitura entoada [com notas, alturas e ritmo] da partitura musical). Outros aspectos serão avaliados, como a precisão de afinação e a memória musical.

Acervo Ars Nova – Coral da UFMG
Sob a proteção do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 1995: Coral vai retomar rotina de ensaios, gravações e apresentações no Brasil e no exterior
Sob a proteção do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, em 1995: Coral vai retomar rotina de ensaios, gravações e apresentações no Brasil e no exterior

O condutor de vozes

Acervo Ars Nova – Coral da UFMG
Carlos Alberto

A maestrina Ângela Pinto Coelho criou uma escola de música e está organizando um grupo coral na cidade de Santa Bárbara, a 110 km de Belo Horizonte. Há pouco tempo, a título de lição, mostrou para os cantores iniciantes um CD com peças barrocas regidas pelo maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca (foto), cujo nome se confunde com a história do Ars Nova – Coral da UFMG.

“Ainda hoje não dispenso uma ‘aula’ do Carlos Alberto [ele morreu há seis anos]. Meu respeito por ele é enorme”, afirma Ângela, que foi casada com o maestro por cerca de 20 anos. Foi ele quem a convenceu a trocar o piano pela regência no início da vida artística. “Além de talento e intuição, Carlos Alberto tinha grande vocação para o estudo. Conhecia o universo vocal e tinha a melhor técnica para a condução de vozes. Imaginava um ponto a que queria chegar, musicalmente, e sabia como atingir aquele objetivo”, elogia a maestrina, lembrando que a grande influência de Carlos Alberto foi o maestro romeno Sergiu Celibidache, com quem fez vários cursos de verão em Siena, na Itália.

Nascido em 1933, em Belo Horizonte, Carlos Alberto Pinto Fonseca dirigiu o Ars Nova de 1962 até 2003, ano de sua aposentadoria – desde 1964 ele era servidor da UFMG. Formou-se professor e regente pela Escola de Música da Universidade e fez cursos de regência no Brasil e em Alemanha, França e Itália. Entre muitos prêmios, foi considerado “melhor regente do ano”, em 1967, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), e melhor regente do Concurso Nacional de Coros, do qual o Ars Nova participou em 1970, no Teatro Municipal do Rio.

Cartaz que divulgava uma apresentação de sua obra-prima, a Missa afro-brasileira
Cartaz que divulgava uma apresentação de sua obra-prima, a Missa afro-brasileira

Como compositor, sua obra-prima foi Missa afro-brasileira, de batuque e acalanto (1971), tendo reunido também acervo importante de canções para coro, instrumentos solistas, canto e piano, e arranjos de peças do folclore popular brasileiro. Além do Ars Nova, Carlos Alberto dirigiu a Orquestra Sinfônica da UFMG, a Sinfônica de Minas Gerais e o Coro do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado (Cefar). O maestro morreu em 2006, aos 72 anos, deixando os filhos Alberto Luiz, Beatriz e Bruno.

“O maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca deixou um legado que não poderia jamais se extinguir com seu falecimento”, analisa o filho, Bruno Fonseca. Para preservá-lo, surgiu, em 2008, o Instituto Cultural Carlos Alberto Pinto Fonseca (ICAPF), que tem o objetivo de promover a arte e a cultura em Minas Gerais e no Brasil a partir da obra do maestro. “No momento, estamos estudando estratégias de atuação”, relata Fonseca.

Ecletismo

Carlos Alberto Pinto Fonseca gostava de dizer que era um compositor eclético, contrariando aqueles que o classificavam como criador de peças para canto coral e na vertente afro-brasileira. A pianista e pesquisadora Rize Lorentz Matheus foi uma das que procuraram na obra do maestro as provas desse ecletismo. Para dissertação de mestrado defendida na Escola de Música da UFMG, ela analisou suas obras que podem ser consideradas de estética impressionista.

“Ele se permitiu criar em diversas estéticas, mas esse é um lado pouco explorado de seu trabalho. Peças como Paisagem de minha terra, Adeus às margens de um rio e Volta são impressionistas, ou seja, têm harmonia e colorido sonoro que evocam estados de espírito e impressões sensoriais”, explica Rize Lorentzm. “Algumas pessoas o consideravam ultrapassado, mas isso demonstra falta de conhecimento e opção pelo rótulo fácil, talvez devido ao sucesso de suas peças de estética afro-brasileira”, acrescenta. É praticamente impossível separar os nomes do maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca e do Ars Nova, na visão do professor da Escola de Música da UFMG Mauro Chantal. Pianista, integrante do Coral na década de 1990 e mais tarde do coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), ele lembra que praticamente todos os solistas e professores de canto de Belo Horizonte passaram pela batuta de Carlos Alberto.

Para o mestrado na própria UFMG, Chantal realizou pesquisa que abrangeu a biografia e o catálogo de obras de Carlos Alberto Pinto Fonseca. “No dia da apresentação da dissertação, o maestro abriu um sorriso, apertou minha mão e disse que estava me devendo uma. Mas eu é que sempre estarei em débito com ele. Seu talento iluminava todos os ensaios do Ars Nova”, ressalta Chantal.

Seleção de coristas

Vinte coristas (cinco de cada naipe) serão selecionados nos dias 23 e 24 de março entre membros das comunidades interna e externa à UFMG. Os oito restantes serão alunos bolsistas, que deverão ser testados no dia 25 de março.

O coral Ars Nova pretende recrutar, entre os servidores da UFMG, dois profissionais. O produtor cultural será responsável por planejamento, organização e execução de ações relativas à produção musical, incluindo a elaboração de projetos específicos, além da logística das apresentações, viagens e gravações, e divulgação das atividades. O empresário institucional desempenhará função de administrador, ao lado do regente e do produtor cultural. Ele também ficará encarregado da secretaria do coro, administração de pessoal, espaços e equipamentos.

Será contratado um tecladista correpetidor (cravista, pianista ou organista), que deverá ter experiência com correpetição e realização de baixo cifrado. A vaga será aberta a profissionais das comunidades interna e externa à UFMG.

Em sua nova fase, o Ars Nova funciona no Conservatório UFMG.