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Nº 1809 - Ano 39
25.2.2013

opiniao

A (in)compatibilidade entre
ciência e fé revisitada

Marcos Filipe Guimarães Pinheiro*

Muito se fala, e já se ouviu falar, sobre a dualidade entre ciência e fé. Ou da incompatibilidade entre conhecimento científico e crença religiosa. Afinal, “se religião é de foro íntimo, não se discute” ou “o meio científico não deve se envolver nas questões religiosas, que são individuais”. Embora não tenha sido sempre assim – as primeiras universidades europeias e norte-americanas surgem no contexto religioso e para fins missionários – a partir, sobretudo, do Iluminismo essa dualidade se estabelece e se mantém até os dias atuais.

Para Sommerman, “mesmo se, desde o século XVII, quando nasce a ciência moderna, o saber começa a ser fragmentado, devido às metodologias científicas propostas pelas epistemologias racionalistas e empiristas, até o século XVIII todos os grandes pensadores tinham uma formação universal. Newton, Pascal, Descartes e Leibniz escreviam tanto sobre a matemática e a geometria como sobre a teologia e a graça”.

As universidades hoje lidam diariamente com milhares de pessoas entre estudantes da educação básica, graduação e pós-graduação, docentes e funcionários, além da comunidade externa. Na UFMG, esse relacionamento se dá com mais de 50 mil pessoas oriundas de várias partes do Brasil e do mundo.

Influenciado por políticas e programas de acesso, o ensino superior passou a receber novos sujeitos de diferentes classes, raças, gêneros, faixas etárias, crenças e religiões, provocando novas relações com a universidade e, portanto, novas formas de se lidar com o conhecimento científico.

As universidades tornam-se então um campo fértil para a proliferação de culturas, saberes, hábitos, práticas sociais, modos de vida, lazeres, mas também de crenças e religiosidades. Assim, pode-se perceber a presença constante, e aparentemente crescente, de movimentos e expressões religiosas nos campi das universidades e que, muitas vezes, passam despercebidos: uma presença óbvia e, ao mesmo tempo, invisível; fenômenos socioculturais que carecem de considerações dentro do debate sobre os novos rumos que a universidade tem assumido e o que significa ser docente/estudante universitário na atualidade.

O professor Paulo Carrano mostra que o acesso, a formação e as experiências de jovens não se encerram na sala de aula, ainda que seja este o território por excelência das aprendizagens universitárias, e no trato com o conhecimento científico. Segundo Carrano, o “ser universitário” diz respeito a processos de formação humana e não apenas profissional. Todavia, a laicização preconizada em diversas instituições no século 20 fez com que a universidade também não se importasse, ou se afastasse das questões religiosas vividas em seu meio.

Saberes como os religiosos, muitas vezes considerados como senso comum, passam a ser considerados pela ciência como irracionais e oriundos de uma dada fraqueza intelectual, individual ou coletiva. Entretanto, como ressaltara Henrique de Lima Vaz, o padre Vaz, professor emérito da UFMG, ao explanar sobre a experiência de natureza religiosa, tal experiência é algo absolutamente singular. Não está aquém, mas além da razão, surgindo quando, e onde, esta cessa seu discurso. Faz parte de um universo simbólico “capaz de unificar as razões com as quais os indivíduos e as sociedades procuram dar um sentido ao seu estar no espaço e no tempo”.

Sem o assentimento dessa presença antropológica-cultural que acompanha e norteia os rumos das civilizações, permanecem inexplicáveis a imensa variedade e originalidade dos universos simbólicos construídos pela humanidade “ao longo dos tempos e das culturas, e que se organizam e perduram mediante crenças, costumes, normas, instituições, saberes e artes”.

Ao comentar sobre as décadas finais do século 20, José Prandi considera que deixamos uma época tida como o século da razão. Período que buscava e anunciava uma hegemonia da ciência e maneiras de explicar o mundo “inteiramente desencantadas, já desprovidas da necessidade de apelo à magia, ao sobrenatural, às explicações que escapam do controle racional”.

Com isso constata-se o inesperado re-encantamento do mundo. Com o advento da modernização, esperava-se que muitas das questões e problemas humanos pudessem ter como solução recursos oferecidos pelo pensamento racional, científico, em vez do pensamento sobrenatural, religioso. Entretanto, o que se pôde perceber, de acordo com Prandi, foi uma insuficiência das “instituições responsáveis pela aplicação das conquistas científicas e administração da razão”.

Nas palavras de Erwin Schrödinger, Prêmio Nobel de Física, “o quadro científico do mundo a minha volta é deficiente. Ele me dá muitas informações factuais, põe toda nossa experiência em uma ordem magnificamente coerente, mas também um horrível silêncio sobre tudo o que é caro ao nosso coração, o que é realmente importante para nós. Esse quadro não me diz uma palavra sobre a sensação de vermelho ou azul, amargo e doce, sentimentos de alegria e tristeza. Não sabe nada de beleza e lealdade, de bem e de mal, de Deus e de eternidade”.

Não será o momento de pensar na compatibilidade entre ciência e fé?

*Licenciado em Educação Física e mestre em Lazer pela UFMG. Professor substituto no Departamento de Educação Física da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional