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Nº 1809 - Ano 39
25.2.2013

Livro-objeto

‘Museu vivo’ e laboratório ensinam, preservam e exaltam as artes e ofícios ligados ao impresso

Itamar Rigueira Jr.

Tipografia, caligrafia, gravura, edição, ilustração, design, encadernação. As práticas e tradições que constituem o universo do livro são desenvolvidas há cerca de dois anos pelo Museu Vivo Memória Gráfica e pelo Laboratório de História do Livro, que reativam e atualizam técnicas, tradições gestuais e práticas socioculturais em torno do objeto-livro, que simboliza a cultura escrita.

Composto originalmente por acervo da Associação Memória Gráfica Tipografia e Escola de Gravura, o Museu Vivo recebeu também equipamentos da antiga gráfica da Escola de Arquitetura da UFMG. Abrigados pelo Centro Cultural UFMG, o museu e o laboratório viabilizam projetos de ensino, pesquisa e extensão dos cursos de Conservação e Restauração e de Bens Culturais Móveis, Ciência da Informação, Artes Visuais e Letras (ênfase em edição), além de projetos em áreas afins.

As atividades do parque gráfico – composto por cavaletes de tipos móveis, prelos tipográficos a ainda por uma impressora off-set do começo da segunda metade do século passado – contam com as habilidades do tipógrafo José do Monte, e também com o trabalho dos estagiários do curso de Artes Visuais. As oficinas tipográficas do Museu recém-incorporaram uma linotipo, doada pelo designer e colecionador Flávio Vignoli, parceiro do museu em diversos projetos. Ao combinar o procedimento de composição ativado por teclado alfanumérico com o processo de fundição dos caracteres tipográficos, a linotipo permite a composição de uma linha inteira de texto em um só bloco de chumbo. A máquina é operada por Ilton Fernandes, antigo linotipista das oficinas do jornal Estado de Minas.

“Ficamos presos à banalidade instituída pelo hábito e esquecemos que o livro tem uma história, é uma máquina que se caracteriza por um modo de funcionamento e por um conjunto de tecnologias próprias”, afirma a professora Ana Utsch, da Escola de Belas-Artes, que idealizou e coordena o museu e o laboratório.

Percurso regressivo

Ana conta que, no Laboratório de História do Livro, as pesquisas seguem percurso regressivo, do século 19 ao século 15. “Conseguimos identificar elementos materiais, técnicos e estéticos recorrentes e outros que variam com mais frequência, e que podem ser relacionados com pontos de ruptura e de continuidade da tradição de produção do livro, a partir também dos modos de produção e distribuição”, explica a pesquisadora, que defendeu, no ano passado, tese sobre a encadernação do século 19, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, sob orientação de Roger Chartier.

Ana Utsch lembra que o século 19 trouxe grandes transformações geradas pelo aumento vertiginoso da produção. Os encadernadores, por exemplo, precisaram criar novas técnicas, ainda artesanais, mas capazes de acelerar o processo. Segundo ela, a pesquisa é pautada pela definição das formas pelas quais as convenções foram estabelecidas em diferentes períodos. “Procuramos compreender as maneiras como as práticas socioculturais se comunicam com o mundo do livro e como fixaram as diversas modalidades de produção e difusão”, salienta.

A organização do Laboratório da História do Livro foi baseada no conhecimento de materiais e ferramentas envolvidos na fabricação do livro em momentos diversos. O espaço foi equipado a partir de pesquisa fundada na Codicologia e na Bibliografia Material, disciplinas vinculadas à História do Livro. “Construímos modelos que revelam as formas de elaboração do livro por meio da fabricação de fac-símiles, estacionados em etapas específicas de produção”, descreve Ana Utsch.

O laboratório se dedica também a elaborar e a divulgar estruturas mais recentes, incluindo encadernações contemporâneas e modelos de conservação. Além de produzidas e expostas no laboratório, essas estruturas têm sido objeto de oficinas oferecidas ao público interno e externo à UFMG. Outra iniciativa vinculada ao espaço é o Gabinete do Livro, que promove mostras de edições especiais, como foi o caso das experiências como editor do poeta João Cabral de Melo Neto. O Museu Vivo Memória Gráfica e o Laboratório de História do Livro estão abertos à visitação.

Arte em sobretextos

Bruna Brandão
Ana Utsch: pontos de ruptura e continuidade
Ana Utsch: pontos de ruptura e continuidade

As atividades desenvolvidas no Centro Cultural UFMG em torno da elaboração e da história do livro incluem produção editorial, dividida em três linhas. Entre os objetivos do projeto estão a utilização do parque gráfico e a prática de pesquisadores e estagiários. A coleção Sobretextos é composta de pequenos textos literários de domínio público, que refletem sobre o universo das artes do livro. A próxima publicação é a do capítulo 62 de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, que conta uma visita do protagonista a uma tipografia em Barcelona.

Os Cadernos Técnicos, por sua vez, são dedicados à divulgação dos trabalhos de bibliografia material e bibliologia feitos por pesquisadores e estagiários e nas oficinas do Laboratório de História do Livro. “Nossa intenção é tornar pública a sistematização do trabalho, compondo um inventário material e técnico. Sentimos falta no Brasil desse tipo de publicação, contamos apenas com material importado, sem tradução”, justifica Ana Utsch. A terceira linha editorial tem a função de apoiar o Centro Cultural, por meio da produção de agendas de eventos, catálogos de exposições etc.

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