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Nº 1832 - Ano 39
19.8.2013

opiniao

A universidade e as manifestações da primavera brasileira

Alexandre Braga*

O inverno no Brasil começou “quente” e trouxe para as ruas o mais significativo movimento de massas dos últimos tempos da nossa História recente. Inspirados na onda de manifestações que varrem diversos países e regimes nas mais diferentes partes do globo e sob o lema da necessidade da liberdade, participação nas decisões dos governos e no respeito aos direitos humanos, esse novo capítulo das agitações sociais está sendo construído com base numa ferramenta que se tornou muito poderosa e eficiente para mobilizar seus adeptos: as redes sociais.

São as plataformas online as responsáveis pelo sucesso das convocações que, numa enxurradas de criatividade, venceram os bloqueios midiáticos, passaram por cima das decisões dos ditadores e atropelaram a censura em uma centena de nações cuja própria internet era ainda incipiente. Foi assim na Tunísia, no Egito, em Marrocos, na Espanha, entre outros países. E a mais famosa delas é a Primavera Árabe, que ainda sacode o mundo mulçumano, apesar do seu caráter dúbio – tem um viés progressista, de um lado, mas por outro, evoca valores ocidentalizados e, às vezes, extremistas em alguns países. Portanto, seus resultados ainda estão por vir.

E o vírus dessa mudança atingiu em cheio uma parcela da população brasileira. Em que pesem as excelentes políticas sociais – como Bolsa Família, Sistema Único de Saúde (SUS) e cotas raciais –, ela almejava mais do que isso; queria também que os megaeventos esportivos trouxessem melhorias nos sistemas públicos de saúde, transporte, mobilidade urbana e, sobretudo, opinar contra a corrupção e os desvios de verbas na gestão desses serviços.

Com características muito próximas, como a forte presença dos jovens e dos setores das camadas médias, pouca participação dos partidos (isso não quer dizer que eles ficaram de fora), foco nas convocações via redes sociais e com uma pauta de reivindicações muito extensa, as manifestações do mundo árabe e brasileira deixam uma lição que o povo, e especialmente, a juventude, querem mudanças estruturantes que levem seus países a níveis mais avançados de civilidade.

Para aqueles que acreditavam numa juventude alienada e ausente dos debates políticos, a surpresa virou uma constatação de que os cidadãos acompanham, cada qual a seu modo, o desenrolar do processo decisório, e vão interferir nisso sempre que seus interesses estiverem ameaçados. Claro, empregando, agora, para esse objetivo estratégia e fórmulas de mobilização novas e divertidas. Por isso, é possível falar que as manifestações de ruas que agitam as pequenas, médias e grandes cidades abrem novo ciclo de participação social e popular que têm todas as credenciais para pautar a agenda política do Brasil. Elas podem interferir sobremaneira nos rumos eleitorais, na composição do Congresso em 2014 e na aplicação do orçamento.

Mesmo que nesse momento ainda seja cedo para tirar lições mais profundas, pois estão em processo, as manifestações por si só já deram novo ar à maneira de se fazer política. E justamente por estar em
processo e ter uma pauta muito grande, é que é possível haver retrocesso e cooptação por setores conservadores ou até infiltrados. O exemplo da Primavera Árabe é sintomático mais uma vez, pois por lá diversas nações da vanguarda do movimento elegeram governos que acabaram por erigir gestões centradas na islamização do Estado e até contrários aos direitos das mulheres mulçumanas. Dessa forma, saudamos as manifestações que estão ocorrendo mundo afora e torcemos para que elas tragam mudanças reais nas vidas das pessoas. É isso que norteia a ida do povo para as ruas.

Isso é bom para a democracia, para os sistemas políticos e contribui enormemente para imprimir conteúdo à atividade política, independentemente da esfera. Oxalá, tais eventos mudancistas tenham como resultado os avanços tão esperados por gerações de ativistas, até como saudação aos diversos coletivos, membros dos grupos de estudos e das unidades, dos estudantes, dos professores e dos servidores da UFMG que foram às ruas somar energias a essas manifestações.

A Universidade não poderia ficar de fora de um momento tão crucial para os bons rumos que se espera a partir das mobilizações para o Brasil e para os povos do mundo. Mais uma vez a comunidade acadêmica da UFMG mostrou-se antenada às vozes das ruas, pois contribuiu com a logística e, inclusive, foi pioneira em sugerir que os atos consolidassem a Assembleia Popular Horizontal, maior expressão da unidade popular em torno de temas tão amplos. Essa Assembleia é, hoje, o principal palco para os movimentos sociais da capital não só pautarem suas agendas como também apresentarem à sociedade mineira suas ­reivindicações para melhorar a vida do povo.

 

*Africanista, estudante de Ciências do Estado na UFMG, membro do Conselho Nacional de Cultura e Diretor Nacional de Comunicação da União de Negros Pela Igualdade (Unegro)