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Nº 1838 - Ano 40
30.09.2013

Encarte/Semana do Servidor

opiniao

A ‘primavera acadêmica’: o mercado de artigos científicos*

Lilian Cristina Monteiro França**

Não existe pesquisa sem revisão de literatura e referencial teórico. Em um momento em que o fluxo de comunicação se acelera e a Internet disponibiliza vasta gama de artigos científicos, escritos sob as mais variadas perspectivas, orientações e matizes teóricos, uma nova barreira se apresenta.

Se, antes da rede das redes, o acesso à produção acadêmica envolvia o deslocamento até as grandes bibliotecas e a seus acervos de livros, revistas científicas, teses, dissertações e monografias, demandando recursos consideráveis para transporte e alojamento, hoje, a cobrança por acesso a conteúdo (paywall systems) vai surgindo como nova preocupação.

Um pesquisador que deseje ler o artigo n-3 fatty acids and lipoproteins: Comparison of results from human and animal studies, de William S. Harris, deve "comprar o artigo" por US$ 39,95; aquele que quiser estudar as mudanças no jornalismo poderia, por exemplo, selecionar cinco artigos e pagar por seu "carrinho de compras" a quantia de US$ 125 – US$ 25 pelo acesso a cada um dos cinco artigos.

Mas, se o preço parece alto, existem alternativas: é possível alugar um artigo científico por 24h a valores que oscilam entre US$ 1,99 e US$ 12, ou optar pela compra de pacotes por US$ 9,99 ou US$ 19,99.

Nesse shopping de artigos, a lei da oferta e da procura também funciona. Artigos mais procurados têm valor mais elevado, assim como autores mais conceituados; lançamentos são mais caros e artigos com mais de dois anos sofrem deflação – alguns chegam, mesmo, a entrar no espaço de liquidação, antes de serem liberados para os espaços de acesso gratuito.

No site da DeepDyve-Search, Rent, Read é possível arrendar 40 artigos por US$ 40 por mês, com a vantagem (sic) de poder manter os artigos alugados não utilizados nos meses seguintes ("unused rentals get rolled over", afirma o site).

Ironias à parte, o mercado de artigos científicos vem se tornando cada vez mais rentável. Duas das maiores editoras de artigos científicos elevaram os preços de suas assinaturas online em mais de 145% nos últimos seis anos.

A crise promovida pelos paywall systems não atinge apenas os pesquisadores individuais. Recentemente, a Universidade de Harvard publicou nota informando que não pode mais arcar com o custo da assinatura de revistas e portais científicos (cerca de US$ 3,5 milhões por ano). Robert Darnton, diretor da Harvard Library, em entrevista ao jornal The Guardian, disse que o custo da assinatura de uma revista científica como o The Journal of Comparative Neurology equivale ao custo de produção de 300 monografias (ver na página do The Guardian).

Um movimento chamado "primavera acadêmica", analogia à chamada "Primavera Árabe", capitaneado pelo matemático e pesquisador de Cambridge Tim Gowers, prega um boicote à principal editora de publicações científicas, a Elsevier. O movimento conta com um site, o The Cost of Knowledge, em que os pesquisadores podem declarar seu boicote e optar por publicar apenas em plataformas de acesso livre. O grupo também se recusa a atuar como parecerista para qualquer tipo de publicação que cobre por acesso, numa estratégia que pode desmontar os sistemas baseados na avaliação do tipo peer reviewed.

As três maiores editoras da área, Elsevier, Springer e Wiley, detêm mais de 20.000 publicações científicas, o que representa 42% de todos os artigos publicados no mundo; o lucro das três soma alguns bilhões de dólares.

Submeter artigos para a publicação em alguns periódicos também implica no pagamento de taxas; o preço chega a US$ 5.000, como é o caso da revista Cell Report, que destaca: "To provide open access, expenses are offset by a publication fee of US$ 5.000 that allows Cell Reports to support itself in a fully sustainable way. This publication charge is the only fee that authors pay" (grifo meu). O valor da taxa é superior à maior parte dos salários mensais pagos a professores universitários no Brasil.

Algumas publicações exigem pagamento mesmo para artigos que forem rejeitados, sob o argumento de que os pareceristas são remunerados para fazer a avaliação dos artigos. A remuneração varia, em média, entre US$ 32 e US$ 400 para cada artigo avaliado.

De todo modo, as contas não fecham. Os custos com impressão em offset não se justificam numa era em que as publicações são majoritariamente baixadas pela web, os custos administrativos alegados e com os pareceristas também não justificam o fato de um artigo de 20 páginas custar quase o dobro de um livro de cem páginas.

O chamado "fator impacto" determina o "preço do prestígio", fazendo com que os pesquisadores invistam no pagamento, ameaçados pela pressão do "publicar ou perecer". Recentemente, quatro periódicos brasileiros foram punidos pela Thomson Reuters e suspensos do ranking por um ano, em virtude da aplicação de um algoritmo que fazia elevar o "fator de impacto" através do aumento do número de citações, fator considerado nas avaliações de jornais científicos.

Em uma era marcada pela Web 2.0 e sua perspectiva de produção colaborativa, o mundo acadêmico parece sucumbir à lógica capitalista do lucro, monetizando a ciência e a produção do conhecimento.

*Publicado no Jornal da Ciência, da SBPC, edição nº 745, de 13 de setembro de 2013
**Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe