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Nº 1838 - Ano 40
30.09.2013

Encarte/Semana do Servidor

Em torno dos tabuleiros

Grupo de estudos se debruça sobre jogos valorizando aspectos que vão muito além do entretenimento

Bárbara Pansardi

Cartas, dados, peças coloridas e um tabuleiro. Parece brincadeira, mas é estudo. Quem chega às reuniões do UFMGames, núcleo de ensino, pesquisa e extensão em game design da Escola de Belas-Artes, depara-se com cenário ainda pouco identificado com o ambiente acadêmico.

Surgido em 2009, o grupo integra alunos dos cursos de Cinema de Animação e Artes Digitais e de Design, sob coordenação do professor Luis Moraes Coelho. "Quando comecei a estudar o game design, descobri muitos autores e livros, um universo que ignorava como área de conhecimento. Tinha a ideia de que jogo é entretenimento, não percebia sua forte dimensão acadêmica e cultural", relata o pesquisador.

No Brasil, o mercado de jogos é estagnado – "são os mesmos jogos há 30 anos", lamenta o professor –, mas em países como a Alemanha e Estados Unidos, o cenário é bem diversificado, com muitos lançamentos, revistas especializadas e premiações. A abordagem pode beirar o insólito (um pet shop de monstros ou uma cidade invadida por fantasmas e protegida por monges taoístas) ou ser historicamente fundamentada (jogos sobre a Guerra Fria ou navegações portuguesas), passando pela literatura e pela linguística, com referências às Mil e uma Noites ou à formação da língua italiana. Todo assunto é passível de ser transformado em tabuleiro, em contexto marcado por objetivos, regras e pontuação.

O grupo se reúne semanalmente para pesquisar e desenvolver novos jogos. As referências bibliográficas vão desde o historiador holandês Johan Huizinga, autor de Homo Ludens, até autores especializados em game design, como o professor Vicente Mastrocola, da ESPM de São Paulo, autor de Ludificador.

Paulo Firmo, integrante do UFMGames e aluno de Design, aposta no jogo também como fator de motivação para aprender conteúdos. "Hoje se dá aula como há cem anos, com os estudantes todos enfileirados diante do professor", ele questiona. Paulo desenvolveu o jogo Terra Preta do Índio, em que os participantes montam a Amazônia com um tabuleiro modular, que se modifica a cada partida, fazendo que o rio forme uma bacia hidrográfica. Os indígenas caminham ou, em períodos de cheia, navegam pela floresta, na busca por sementes. Conforme seu desempenho, acumulam pontos, mas a aquisição das sementes é dificultada por perigos como onças e jacarés.

Bonito e interessante

O UFMGames trabalha para democratizar o acesso aos jogos. Dois fatores levaram Luis Coelho a montar o núcleo: a vontade de desenvolver jogos próprios e a convicção de que é preciso divulgar mais. Daí, aliadas ao ensino e à pesquisa, surgiram as atividades de extensão. Nas noites de quinta-feira, há reuniões no Espaço do Conhecimento UFMG. Abertos à comunidade, os encontros pretendem promover a sociabilidade em torno dos jogos. Os Jogos do conhecimento recebem público heterogêneo a partir dos dez anos de idade, que se junta a 15 participantes assíduos.

A primeira reação é geralmente de surpresa positiva. "Chamam atenção a beleza gráfica dos jogos e os temas agradáveis e interessantes, que fogem da guerra ou da especulação imobiliária. Também contribui a percepção, ao jogar, de que há pouca interferência do fator sorte. São jogos de estratégia, em que se deve trilhar o próprio caminho", afirma o coordenador. As noites de segunda, por sua vez, são dedicadas a encontros na Escola de Arquitetura, com o objetivo principal de disseminar a cultura do game design dentro da Escola, "como área de conhecimento que lida com informação complexa, aliando lazer a atividade intelectual intensa".

Luis Coelho anuncia ainda a intenção de se ampliarem as pesquisas em torno da interface com o digital, uma vez que "há cada vez mais jogos de tabuleiro que migram para o meio digital e jogos desse ambiente que migram para o tabuleiro". Ele defende maior valorização dos jogos e salienta que a ideia de autoria ajuda a entendê-los como produto cultural contemporâneo. "Você sabe quem fez, passa a conhecer o estilo dos autores, e isso os aproxima dos escritores e cineastas", comenta o pesquisador.

Na contemporaneidade, por sinal, a dinâmica de jogo está cada vez mais presente. Trata-se do fenômeno da ludificação. "É o caso dos sistemas de milhagens e acúmulo de pontos para trocar por mercadorias", exemplifica Luis Coelho, esclarecendo que mecânicas e pensamentos orientados a jogos são apropriados por outros contextos para enriquecer processos que, em teoria, nada teriam a ver com o lúdico. "Embora não sejamos capazes de perceber, jogos estão por toda parte."