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Nº 1841 - Ano 40
21.10.2013

Voando alto há meio século

Exposição e semana de atividades celebram 50 anos do Centro de Estudos Aeronáuticos

Matheus Espíndola

Muito por conta do centro de formação concebido na UFMG há cinco décadas, o estado de Minas Gerais é referência no cenário da indústria aeronáutica brasileira. O esforço iniciado pelo engenheiro e professor Cláudio Barros acabou resultando na criação da ênfase em Aeronáutica do curso de graduação em Engenharia Mecânica, em 1977, que, por sua vez, foi o embrião para a criação do curso de Engenharia Aeroespacial em 2009.

A segunda edição da Semana Professor Cláudio Barros de Engenharia Aeroespacial (AeroCB-II), com início no dia 28 de outubro, marca este ano o aniversário de 50 anos do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) da UFMG.

A AeroCB terá palestras, congressos, minicursos e visitas técnicas a instalações de empresas com sede na região metropolitana de Belo Horizonte assim como ao Parque de Material Aeronáutico da Força Aérea Brasileira, em Lagoa Santa. Segundo a professora Maria Cecilia Pereira de Faria, coordenadora da Semana, haverá palestras e minicursos oferecidos por instituições relevantes do país no setor aeroespacial. “Serão abordados, por exemplo, motores de avião, projetos de foguetes e de helicópteros.”

Formando engenheiros e cidadãos

Diferentemente da edição anterior da Semana, cuja programação se voltou predominantemente ao aprimoramento técnico dos participantes, a AeroCB-II se dedica também à formação ética do seu público. O professor Antônio Teixeira, do Departamento de Psicologia da Fafich, vai ministrar palestra sobre Ética na Engenharia Aeroespacial.

A discussão se justifica, de acordo com Maria Cecília, pelos vários impactos que o segmento pode causar na sociedade. “O profissional da área pode atuar, por exemplo, na produção de equipamentos bélicos. Essa é uma das razões pelas quais o aluno deve ter sólida formação ética que o oriente a atuar com responsabilidade e consciência.”

O relacionamento entre colegas de faculdade e trabalho também é tema a ser abordado no evento, visando à promoção e consolidação do respeito e solidariedade nos ambientes estudantil e profissional: “Estamos também empenhados em despertar nos estudantes a noção de humanidade. Afinal, o curso não existe somente para os estudantes, mas principalmente para a sociedade”, completa.

Multidisciplinar por definição

Com o propósito de atrair interesse pelo curso, bem como despertar atenção de crianças e adolescentes – potenciais futuros graduandos da Universidade –, a exposição CEA 50 Anos, que será aberta dia 28 no Centro Cultural UFMG, procura estabelecer a aproximação entre a Engenharia Aeroespacial e as artes plásticas. “Os elementos do universo aeroespacial têm naturalmente um caráter artístico porque abarcam formas e desenhos muito complexos e com grande apelo estético”, explica um dos curadores da mostra, Pierre Souza, que é graduando em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG. Outra iniciativa que visa à integração da Engenharia Aeroespacial com áreas diversas é a parceria firmada com grupo da EBA dedicado ao estudo de jogos (UFMGames), que prevê a elaboração conjunta de softwares e jogos didáticos.

Maria Cecília Faria ressalta que existem outras disciplinas que se relacionam de alguma forma com a Engenharia Aeroespacial – um curso multidisciplinar por definição, segundo ela. “Um satélite em órbita circula por ambientes em que a temperatura pode variar centenas de graus em um curto intervalo de tempo. Por isso, são necessárias análises de competência da Engenharia de Materiais. O tripulante de um veículo espacial depende de cuidados psicológicos, médicos e nutricionais muito particulares. Missões não tripuladas, por sua vez, exigem conhecimento aprofundado de especialistas de controle, entre outros ”, exemplifica.

Do freijó à fibra de carbono

A evolução de materiais e processos ajuda a contar a história do Centro de Estudos Aeronáuticos, criado em 1963. Há cinco décadas, o CEA produzia as aeronaves em freijó, madeira brasileira. Na década de 70 passou a utilizar a fibra de vidro, e hoje, também, a fibra de carbono nas suas aeronaves. Máquinas de marcenaria e processos essencialmente manuais foram substituídos por equipamentos automatizados capazes de fabricar moldes em três dimensões.

O portfólio do Centro foi inaugurado pelo planador de treinamento CB-1 Gaivota, sucedido por outro planador, mais avançado, chamado CB-2 Minuano, e pelo motoplanador CB-7 Vesper. O projeto seguinte foi o do ultraleve de alto desempenho CB-9 Curumim, até hoje usado em aulas de ensaios em voo. Pesquisas de doutorado do professor Claudio Barros resultaram no avião CB-10 Triathlon, e pouco depois seria criada uma versão mais veloz do Curumim: o CB-12 Curumim II. Iniciado como tema de trabalho de graduação do hoje professor Paulo Iscold, o CEA 308, pertencente à categoria das aeronaves leves, bateu, oficialmente, quatro recordes mundiais de velocidade. Por fim, foi projetado e construído no âmbito do CEA o avião acrobático CEA-309 Mehari, também a cargo de Iscold e sempre com a assistência de Claudio Barros.

De acordo com o professor Ricardo ­Utsch, coordenador do curso de Engenharia Aeroespacial, o primeiro grande desdobramento da criação do Centro foi a implantação da ênfase em aeronáutica no curso de Engenharia Mecânica. “Eu e diversos professores em atividade fomos formados nessa época”, ele recorda. A história de sucessos do CEA também levou à implantação do curso de Engenharia Aeroespacial, em 2009.

“Essa nova graduação aumentou o número de alunos e intensificou o envolvimento deles nas atividades do CEA, o que está absolutamente alinhado com a filosofia de nosso trabalho”, diz Ricardo Utsch. “Nossa expectativa é pela repercussão positiva desse movimento na pós-graduação ao longo dos próximos anos.”

O coordenador informa que tem crescido o fluxo de visitas de empresas brasileiras e estrangeiras ao CEA, com propostas de convênios e projetos em comum, visando por exemplo à interiorização de tecnologia. “Novos editais estão incrementando o investimento no setor aeroespacial e favorecendo a integração de empresas e universidades”, comenta Utsch.

Na concepção do professor Rogério ­Pinto, seria desejável que a indústria ­aeronáutica brasileira evoluísse no sentido de ampliar a aplicação em pesquisa, “visando se tornar autossuficiente na fabricação de componentes ­aeronáuticos, ampliando assim as possibilidades de ­absorção da mão de obra formada nas universidades”. ­Ficará a cargo de ­Rogério a palestra de encerramento da AeroCB-II, acerca das expectativas do CEA para o próximo ­cinquentenário.

Sarah Dutra
Maria Cecília Faria e Ricardo Utsch: homenagem à história do CEA
Maria Cecília Faria e Ricardo Utsch: homenagem à história do CEA

História contemplada

Durante um mês, uma série de elementos vai compor a Exposição CEA 50 Anos, na galeria principal do Centro Cultural UFMG. Toda a documentação arquivada desde a fundação do CEA, como textos, rascunhos, projetos iniciais de aeronaves (ainda feitos a mão), prêmios e resultados obtidos em competições, além da história do curso e dados da biografia de Cláudio Barros estarão à disposição do público.

Também poderão ser observadas peças e fuselagens de aeronaves, fotografias e vídeos alusivos às máquinas, tanto em voo quanto em terra, além de duas aeronaves: a CB.1 Gaivota, a primeira fabricada em Minas Gerais, e a multirrecordista CEA-308.

Visionário premiado

“Um visionário” – assim o professor Rogério Pinto define seu ex-professor e colega de trabalho Cláudio Pinto de Barros, que foi docente da Escola de Engenharia de 1963 a 2004. “Para se ter uma ideia, Cláudio Barros fundou o CEA quando tinha apenas 25 anos de idade”, destaca.

Rogério lembra que na época em que o CEA nasceu, a indústria aeronáutica brasileira ainda era muito incipiente. “Em 1963, nem se cogitava a criação da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica, fundada somente em 1969]. Ele acreditou em um sonho, ainda que o contexto ao seu redor fizesse parecer impossível”, reflete.

Desde sua formação como engenheiro, Cláudio Barros esteve envolvido com a construção aeronáutica leve. Ganhou títulos como o de campeão brasileiro de voo a vela, com o planador CB.2 Minuano, e duas bienais brasileiras de Design com o motoplanador CB.7 Vesper. Sua dedicação aos estudos aeronáuticos rendeu-lhe, em 1993, o Prêmio Fundep, por contribuição decisiva para a evolução do conhecimento na Universidade.

Em 1997, iniciou os trabalhos de sua tese de doutorado, na qual apresentaria a metodologia de projeto de aeronaves leves. Em 2000, após concluir o doutorado em engenharia mecânica, passou a se dedicar a converter sua tese em livro. Mesmo depois de aposentado, ele continuou a atuar na UFMG, como voluntário.

No final de 2005, o ultraleve CB-10 Thiathlon, projetado por ele, teve seus direitos de propriedade intelectual comercializados com uma empresa de São José dos Campos para produção em escala industrial. Poucas semanas antes da morte de Cláudio Barros, em 2011, o Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou matéria sobre os recordes de velocidade batidos pela aeronave CEA-308, projetada pelo professor Paulo Iscold, de quem Barros foi mestre e estimulador.