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Nº 1842 - Ano 40
28.10.2013

O gênio que recicla

Em lançamento da Editora UFMG, ensaísta norte-americana analisa o caráter apropriativo de obras poéticas modernas e contemporâneas

Ewerton Martins Ribeiro

Genialidade e mérito estiveram, desde o romantismo, associados de alguma forma à ideia de originalidade; o gênio haveria de ser necessariamente original. A Editora UFMG acaba de lançar o livro O gênio não original: poesia por outros meios no novo século, em que a ensaísta norte-americana Marjorie Perloff volta suas atenções para a produção poética do Concretismo brasileiro e o Oulipo (corrente literária originária da França) de forma a fazer um contraponto a essa percepção romântica. Os movimentos foram precursores de um tipo de texto híbrido – que se apropria de outros textos para se compor – e entusiastas da escrita por meio de restrições, além de certa rejeição a correntes subjetivas e expressionistas.

Em O gênio não original, Perloff reflete sobre alguns aspectos específicos – citação, recontextualização, reciclagem – de parte da boa literatura poética produzida ao longo do século 20 e neste século 21, à qual chama de “não original”. Com isso, a obra de Marjorie fomenta um novo olhar para as ambições e potencialidades da escrita poética moderna e contemporânea – e pavimenta novos caminhos para o entendimento da poesia a partir do século 21, em especial no que diz respeito à influência de novos dispositivos, como a internet.

Para o tradutor da obra, Adriano Scandolara, “o livro de Perloff representa uma belíssima introdução para um assunto complicado e polêmico [a poesia conceitual e apropriativa]”, e apresenta algo que ainda “consegue levantar poeira e polêmica no mundo da poesia contemporânea”. Em artigo, Scandolara destaca a raridade que é um crítico estrangeiro voltar o olhar para a produção brasileira com a consideração e abertura necessárias para escapar de visões “estereotipadas, preconceituosas e hipersimplificantes”.

Controvérsias sobre qualidade

Professora emérita da Stanford University e da University of Southern California, Marjorie é hoje uma das mais proeminentes especialistas em vanguarda do mundo. A ensaísta ministrou uma conferência na Semana nacional de poesia de vanguarda, realizada na UFMG na primeira quinzena deste mês, ocasião em que o livro foi lançado. Em sua fala, Marjorie abordou o que tem sido produzido em poesia conceitual no mundo, teceu comentários sobre modernistas e concretistas brasileiros, e destacou as controvérsias sobre a qualidade da poesia conceitual. Para Perloff, é um equívoco mobilizar a técnica para avaliar a qualidade da poesia. “Técnica é técnica, e só. Podemos ter poemas concretos bons e poemas concretos terríveis. A técnica é apenas um método. E o método do poema concreto não é pior nem melhor que o método do soneto. O importante é como o método é usado: se para fazer boa poesia ou para fazer poesia ruim”, diz.

Na ocasião, Marjorie criticou a forma tradicional de se ensinar poesia nas escolas. “O modelo de ensino de poesia na academia foi concebido há muito tempo, de forma a abordar questões como ‘o que o poema está dizendo’, por exemplo. A forma, no entanto, costuma ser ignorada. Eu penso que, se você vai estudar literatura, você deve estudar a literatura em si mesma”, ela disse. “Afinal, ninguém o obriga a estudar poesia, literatura. No entanto, se você vai estudá-la, é preciso entender a história da poesia. Se não conhece a poesia da Renascença, a poesia clássica, como vai entender a poesia de agora?”, provocou.

Marjorie Perloff ainda ressaltou as tentadoras possibilidades de expressão em relação à palavra e à imagem que a internet hoje oferece. Apontou que a grande quantidade de textos disponíveis na web suscita um novo tempo para a produção do artista. “O escritor vai ter de se redefinir para lidar com essa abundância de texto”, reflete. Marjorie é autora também de O momento futurista (1993) e A escada de Wittgenstein: a linguagem poética e o estranhamento (2008), ambos publicados pela Edusp, além de obras ainda não traduzidas para o português.

Livro: O gênio não original: poesia por outros meios no novo século
De Marjorie Perloff
Editora UFMG (Coleção Humanitas)
314 páginas / R$ 65 (preço sugerido)