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Nº 1844 - Ano 40
11.11.2013

Na cena com o inimigo

Manifestações inspiram a 17ª edição do forumdoc.bh, um dos mais importantes festivais do filme etnográfico do país

Matheus Espíndola

A câmera se consolidou, ao longo tempo, como um poderoso recurso para mapear e registrar manifestações, rituais e outros fenômenos que envolvem as relações entre os homens em grandes áreas urbanas ou em comunidades alheias à cultura ocidental. Esse é o universo apreendido pelos documentários que integram a programação de um dos mais tradicionais festivais de filmes etnográficos do país, o forumdoc.bh, cuja 17ª edição será realizada de 21 de novembro a 1º de dezembro em Belo Horizonte.

As mostras deste ano giram em torno do tema O inimigo e a ­câmera, encerrando a trilogia iniciada em 2011, com a ­mostra-seminário O animal e a câmera, seguido por A mulher e a câmera, em 2012. As atividades serão realizados no Cine Humberto Mauro (Palácio das Artes), no campus Pampulha e em centros culturais como o Espaço Centoequatro (na praça Rui Barbosa). A iniciativa é uma parceria entre a UFMG e a Associação Filmes de Quintal.

Integrante da comissão organizadora do Festival, o professor Ruben Caixeta, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich, explica que o conceito de etnografia, que no passado referia-se ao estudo e descrição somente das sociedades ou grupos que viviam alheios à cultura ocidental, hoje em dia abarca também o comportamento observado no interior dos núcleos urbanos. Dentro dessa temática, as produções trabalhadas no Festival em 2013 podem ser classificadas em quatro vertentes. A primeira corresponde aos filmes estrangeiros, que mostram os conflitos políticos e ideológicos ocorridos em países como Camboja, Israel e Chile. A questão indígena no contexto de luta pela demarcação de territórios e de afirmação da cultura nativa é o universo em torno do qual se configura a segunda vertente. A elite econômica na cidade do Recife e a especulação imobiliária na capital pernambucana compõem a terceira linha. Por fim, a mídia livre e as manifestações ocorridas em todo o Brasil ao longo de 2013 completam a relação.

Objeto e razão

Segundo os organizadores, com a mostra-seminário O animal e a câmera, realizada em 2011, foi priorizada a reflexão sobre o funcionamento da câmera como uma espécie de armadilha, disposta a aprisionar o animal ou a enquadrá-lo.

Já a edição de 2012, A mulher e a câmera, abordou a posição da mulher no cinema, que avançou para um protagonismo que extrapolou a cena e alcançou o fazer cinematográfico no mundo contemporâneo. “Na história do ocidente, o animal e a mulher foram associados ao objeto e à irracionalidade, enquanto o homem ocupou o lugar do sujeito e da razão. Mas o movimento feminista vem desmitificando a falácia dos homens, o que pode ser verificado em algumas cinematografias contundentes”, argumenta o professor Paulo Maia, também da UFMG e da organização do evento.

Para Maia, o tema O inimigo e a câmera é ainda mais espinhoso. “Filmar o inimigo, ainda que para combatê-lo, como escreveu Jean-Louis Comolli [diretor de cinema francês], é de alguma forma colocar-se do lado dele, compartilhar da mesma cena, já que o cinema é uma máquina de aprisionar, domesticar, familiarizar, aproximar, estreitar as relações”, observa.

Segundo Paulo Maia, a principal inspiração do tema deste ano veio das manifestações que eclodiram em todo o Brasil no mês de junho, quando as ruas foram ocupadas por multidões que se mobilizaram por causas variadas. O professor lembra que a grande mídia e os governantes se apressaram em construir uma imagem negativa sobre essa multidão, enquanto a mídia livre, capitaneada pela internet, ganhou destaque ao tentar buscar uma nova abordagem. “Levaremos para o forumdoc.bh parte significativa desses registros, além de organizar debates com integrantes de coletivos, ativistas, pesquisadores e realizadores”, explica.

O 17º forumdoc.bh também abrigará exibições em primeira mão como Já visto, jamais visto, de Andrea Tonacci; Riocorrente, de Paulo Sacramento; Sobre o abismo, de André Brasil; e produções de realizadores da etnia maxakali, Espíritos batizam crianças e Cantos de putuxop.

Alguns destaques da mostra competitiva

Avanti Popolo
Diretor: Michael Wahrmann – São Paulo – 72” – 2012
A partir do resgate de imagens Super-8mm captadas pelo seu irmão nos anos 70, André tenta reavivar a memória do pai que há 30 anos espera o filho desaparecido.

Batalha do passinho
Diretor: Emílio Domingos – Rio de Janeiro – 75” – 2012
Quando o vídeo Passinho Foda atingiu quatro milhões de acessos no YouTube, Beiçola e seus amigos se surpreenderam. Gravado com uma câmera fotográfica digital num churrasco no quintal da casa, o vídeo mostrava uma nova forma de dançar funk.

La chica del sur
Diretor: José Luis García – Argentina – 94” – 2012
O filme é resultado da participação do documentarista argentino José Luis García na última conferência internacional da juventude comunista, na Coreia do Norte, viagem que ele define como “turismo revolucionário”. Ele conhece Lim Su-Kyong, ativista estudantil coreana que exigia a reunificação das Coreias, e prometeu voltar para a Coreia do Sul a pé, atravessando a fronteira em Pyongyang, cercada por soldados. Vinte anos mais tarde, García tenta descobrir o que aconteceu com a menina que já foi saudada como “a flor da reunificação”.