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Nº 1851 - Ano 40
10.02.2014

opiniao

Inovação de verdade

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Pensadores como Machado de Assis, Elisangela Aparecida Lopes e Roberto Schwarz ajudam a gente a não cair no conto da inovação brasileira mandrake. Em Esaú e Jacó (1904), Machado, pela voz narrativa, fez um alerta categórico, na ocasião do processo de Proclamação da República. Acreditava-se que o novo sistema viabilizaria a modernidade de que o Brasil tanto precisava. A ponderação presente no romance machadiano é esta: “nada se mudaria; o regímen, sim, era possível, mas também se muda de roupa sem se trocar de pele”.

Em outras palavras: a oligarquia continuaria a reinar soberana. Machado de Assis já tinha feito essa advertência, como cronista da Gazeta de Notícias, em texto de 11/05/1888. Na dissertação de mestrado, intitulada “Homem do seu tempo e do seu país”: senhores, escravos e libertos nos escritos de Machado de Assis (2007), cuja defesa se deu na Faculdade de Letras da UFMG, Elisangela Aparecida Lopes, com habilidade crítica ímpar, destacou a existência de um conjunto representativo de reflexões machadianas sobre a cultura conservadora brasileira que, historicamente, engessa o progresso prometido pelas inovações. Dentre os achados interpretativos da pesquisa está a avaliação feita pela pesquisadora acerca da citada crônica. Primeiramente, convém transcrever as últimas palavras do escrito de Machado, em que o narrador e o interlocutor discutem o andamento da política brasileira até aquele momento:

“– Es dürfte leicht zu erweisen sein, dass Brasilien weniger eine konstitutionelle Monarchie als eine absolute Oligarchie ist.

– Mas que quer isto dizer?

– Que é deste último tronco que deve brotar a flor.

– Que flor?

– As.”

A seguir, o comentário categórico de Elisangela Aparecida Lopes: “localizada após a citação em alemão (‘Seria fácil comprovar que o Brasil é menos uma monarquia constitucional do que uma oligarquia absoluta’), a expressão ‘deste último tronco’ recupera o elemento da passagem anterior: ‘oligarquia absoluta’. Pode-se então inferir que a ‘oligarquia absoluta’ é o ‘último tronco’ do qual brotará a flor, numa alusão à República, já que em suas ‘falas’ é a este regime que se refere. Entretanto, há uma correção na penúltima linha do texto: do último tronco brotará não mais uma flor, mas duas (‘As’, artigo definido plural), a abolição e a República. Depois de uma análise detida da crônica, fica claro que o escritor indicia que, independentemente do regime político em vigor, à oligarquia caberá a governabilidade”.

Face ao exposto, é preciso, como cidadãos, identificar e combater os valores da “oligarquia absoluta” a qual sustentamos. Exímio leitor de Machado, o crítico literário Roberto Schwarz lista, no ensaio As ideias fora do lugar (1992), série de comportamentos que demarcam uma moral problemática praticada por aqui até os dias de hoje: “atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho, universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio”. O Brasil do século 19, conservador por dentro e liberal por fora, ainda se faz atual. Essa realidade arcaica precisa ser convocada, com inteligência e sensibilidade, para o centro da discussão acerca do significado real do termo “inovação”. Caso contrário, o país continuará pegando a rabeira do sistema.

No último anuário de inovação global (2013), o Brasil amarga a 64ª posição, no universo de 142 economias. A Suíça é a líder do ranking, logo depois aparecem Suécia e Reino Unido, respectivamente. Com base em 84 indicadores, o estudo foi elaborado pela Escola de Negócios para o Mundo (Insead França), Universidade de Cornell (EUA) e Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo). Por inovação, entende-se o sucesso das ações integradas, envolvendo governo, academia, indústria e mercado, no sentido de estimular o desenvolvimento científico, tecnológico, industrial e de serviços. Para tanto, a formação escolar de caráter continuado se faz imprescindível. Considerando o cenário de inovação, a cultura de pesquisa é fundamental. Pouco menos de 10 doutores por 100 mil habitantes são formados no Brasil. Atualmente, o país investe pouco acima de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia, enquanto a média de investimentos no setor, levando em conta as maiores economias do conhecimento, é da ordem de 2,2%.

Muitas vezes, a inovação é ainda tratada como se fosse uma flor artificial, importando apenas seu efeito paisagístico. Estamos falando da necessidade urgente de doutoramento, mas ainda assombra a nossa realidade o estilo Brás Cubas de estudar. Machado de Assis o descreve bem: “não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dous de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as cousas a fraseologia, a casca, a ornamentação...”. Eis a mentalidade da “oligarquia absoluta” que sempre joga na retranca quando o assunto é inovação de verdade. Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1881, estão “vivinhas da silva sauro”. Como podemos mudar esse quadro? Inovando, no sentido aberto e plural da autonomia: com educação, é preciso saber lidar com os complexos de colonizado e as imposturas tirânicas que ainda afetam o nosso juízo de valor.

* Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG. Professor das Faculdades Fortium e JK, no Distrito Federal.