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Nº 1864 - Ano 40
19.05.2014
Maria Helena Versiani*
Anos eleitorais são momentos em que ganha particular visibilidade a questão da participação dos cidadãos na construção de sociedades democráticas. O assunto é controverso e recentemente, no Brasil, à época da elaboração da atual Constituição Federal – a Constituição Cidadã, de 1988 –, emergiu como o “pano de fundo” de uma série de lutas empreendidas pela ampliação dos direitos sociais dos brasileiros.
A participação dos cidadãos na política foi objeto de minha pesquisa de doutorado e volto a ela neste artigo, agora privilegiando o debate sobre os limites dos sistemas representativos eleitorais para a consolidação de sociedades democráticas.
Analistas de grande reconhecimento – entre eles James Madison, Alexander Hamilton e John Jay – defendem a superioridade do sistema representativo eleitoral frente à democracia participativa direta. Os seus argumentos centrais giram, primeiramente, em torno do entendimento de que é impossível mobilizar parcelas expressivas da população a cada tomada de decisão necessária ao exercício dos governos (a despeito de quaisquer recursos tecnológicos que hoje se colocam como elemento de apoio às práticas da participação direta). Em segundo lugar, argumentam que a representação eleitoral é um modelo político muito mais eficiente do que a participação direta porque garante que os gestores eleitos tenham condições de realizar as suas funções governativas sem correrem o risco de “cair” no campo minado dos vários e conflitantes interesses dos cidadãos.
Na contramão desse pensamento político, que tem longa tradição no Brasil, há quem defenda – a exemplo de Marquis de Condorcet – que os processos eleitorais em si não garantem a democracia quando a participação dos cidadãos limita-se à escolha dos seus representantes. Isto porque os representantes eleitos, mesmo quando comprometidos com programas partidários e promessas eleitorais, invariavelmente assumem também compromissos com os seus partidos, aliados políticos e financiadores de campanhas, agindo muitas vezes a partir de interesses individuais relacionados, não com a promoção da democracia social, mas com a sua própria perpetuação no poder e/ou consolidação de situações de privilégio.
Nessa perspectiva, para ser democrático, um sistema político não pode prescindir da participação efetiva da sociedade nas decisões de governo, não apenas nos momentos eleitorais, mas também impondo limites ao poder estabelecido. É preciso que se criem instrumentos que permitam contestar e recriar o exercício da autoridade política, a partir dos interesses dos cidadãos, interesses, aliás, que estão sempre sujeitos a mudanças.
A constituição de sociedades democráticas exige interação contínua e dinâmica entre as instituições governamentais e a sociedade, a partir da criação de mecanismos de controle e de supervisão dos processos políticos pelos cidadãos, para além dos momentos eleitorais. É o que sugere Nadia Urbinati, por exemplo, ao observar que o sistema representativo que situa a soberania popular restritamente nos processos eleitorais é um ato de delegação dessa soberania a certos políticos. Nesse caso, segundo a autora, cria-se um dualismo entre Estado e sociedade em que a representação está dentro dos domínios do Estado e a participação da sociedade restrita aos procedimentos eleitorais. Após cada eleição, a “nação soberana” só se expressa por intermédio dos seus representantes eleitos. Estes se tornam senhores das decisões políticas, às quais resta aos seus eleitores se “submeter”. O evento eleitoral acaba, pois, por conferir a um grupo de políticos o poder de, com enorme liberdade, deliberar pelos cidadãos.
Porém, em sociedades verdadeiramente democráticas o representante não substitui o “soberano político”, pois que os seus atos de decisão devem estar conectados com os interesses da sociedade, sendo por ela sistematicamente ratificados. Aos cidadãos, cabe não apenas eleger representantes, mas também criticar e condicionar permanentemente a sua atuação, por meio da ativação de um processo comunicativo sistemático, envolvendo formas de autorrepresentação extraeleitorais, independentes dos representantes eleitos ou mesmo de sua aprovação/reprovação.
A par desse debate, a perspectiva de novas eleições no Brasil desponta não só como nova oportunidade de eleger bons representantes. Trata-se também de momento propício para pensar e comprometer os candidatos com as reformas que se fazem necessárias tendo em vista a efetiva democratização do sistema político brasileiro.
*Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV e pesquisadora do Museu da República