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Nº 1864 - Ano 40
19.05.2014

opiniao

Esse vírus vai dar samba

Pesquisadores da UFMG sequenciam genoma de micro-organismo gigante encontrado na Amazônia

Ana Rita Araújo*

Nas águas ácidas do Rio Negro, em plena floresta amazônica, pesquisadores da UFMG isolaram um vírus gigante, descoberta que abre vastos caminhos no universo dos seres microscópicos. Não bastassem suas proporções incomuns, o Samba Vírus – como foi batizado – possui genoma complexo, com genes só encontrados em células e que nenhum vírus de outra espécie codifica. Ele também sobrevive em ­ecossistema especial cuja dinâmica parece garantir uma existência equilibrada e harmônica com a ameba que o abriga e com um tipo pequeno de vírus que o acompanha de perto.

Maior vírus isolado no país, o Samba também detém o maior genoma de vírus já sequenciado no Brasil, informa o professor Jônatas Abrahão, do Departamento de Microbiologia do ICB, coordenador do grupo responsável pela pesquisa, cujos resultados acabam de ser publicados pela revista Virology Journal. Os dados chegam à comunidade acadêmica exatamente dez anos depois da publicação do estudo francês que caracterizou o Acanthamoeba polyphaga mimivirus (APMV), primeiro vírus gigante identificado no mundo.

Segundo Jônatas Abrahão, quando isolado, ainda no começo dos anos 1990, o APMV foi confundido com uma bactéria, e só corretamente caracterizado na década seguinte, dando início a uma série de estudos genéticos que revelaram a existência dessa nova família – os mimivírus. “Comparada ao vírus da poliomielite, a proporção seria a mesma que entre um ser humano e o maior dinossauro já descrito no planeta”, estima o professor. O genoma do Samba tem 50 mil pares de bases a mais que o do vírus protótipo APMV, com cerca de 1,2 milhão de pares de bases. “Percentualmente a diferença parece pequena, mas pode corresponder a diversos novos genes”, diz o professor. Tal diferença pode indicar, por exemplo, fatores relacionados ao ambiente em que ele foi isolado, como a intensa insolação e a acidez do rio, causada pelos resíduos de decomposição da floresta.

Outro aspecto focalizado pela pesquisa foi a inesperada presença – no entorno do Samba, dentro da ameba que ele habita – de partículas negras, que se revelaram eletrodensas na microscopia. “São virófagos que infectam vírus gigantes”, explica o pesquisador. “É um mundo novo. O Rio Negro Vírus, como passamos a chamar essas partículas, assim como os outros virófagos previamente descritos, quebrou paradigmas, mudou nossa visão sobre virologia”, completa Abrahão. Ficou constatado que o virófago, ao ser testado contra o APMV, pode causar anomalias na formação e reduzir enormemente a multiplicação do mimivírus.

“Nossa hipótese é de que o Rio Negro Vírus tem papel ecológico ao controlar a expansão do Samba Vírus, pois se houvesse vírus gigantes afetando amebas, livremente e de forma intensa, estas poderiam se extinguir localmente, e os vírus gigantes desapareceriam, por falta de hospedeiro”, explica Jônatas Abrahão. A pesquisa sugere que ameba, vírus gigante e virófago estão associados nesse ecossistema especial para manter uma coexistência equilibrada.

A descoberta do Samba Vírus não surgiu por acaso. Interessado no tema, Jônatas Abrahão organizou em 2011 uma expedição a Manaus, para fazer prospecção de vírus gigantes. “Percorremos cerca de 50 quilômetros no Rio Negro, coletando amostras”, relembra o pesquisador. Outros biomas figuram no trabalho liderado por Abrahão. “Estamos provando que os vírus gigantes existem em todos os ambientes. Temos coletado amostras em lagoas urbanas e em solos de várias regiões do país”, informa. Entre os mimivírus já isolados, mas ainda não caracterizados geneticamente pelo grupo, estão o Niemeyer Vírus, na Lagoa da Pampulha, em frente ao Museu de Arte; e o Cipó Vírus, localizado na Serra do Cipó. “Onde há matéria orgânica, como lagoas, há amebas. E amebas podem conter vírus gigantes”, diz o pesquisador, que também está investigando a presença desses micro-organismos no Pantanal mato-grossense.

No hospital

O grupo liderado por Abrahão também desenvolve pesquisa em parceria com a professora Wanessa Clemente, do Hospital das Clínicas da UFMG, em que investiga a presença de vírus gigantes em setores de isolamento respiratório, onde ficam internados pacientes com tuberculose e pneumonia. “Temos encontrado um percentual maior de vírus no isolamento respiratório do que em outros setores do hospital”, revela o professor do ICB, lembrando que, em metade dos casos de pneumonia registrados no mundo, o agente etiológico não é conhecido. “Os mimivírus estão entrando nesse debate porque provavelmente fazem parte de uma parcela desses 50%. Embora não se possa associar o Samba à pneumonia, os vírus gigantes não podem ser descartados no estudo das infecções em hospitais”, alerta o professor.

Ele explica que as amebas – hospedeiras dos mimivírus –, por estarem presentes nas águas, no solo e em ambientes urbanos, podem funcionar, em teoria, como plataformas biológicas de multiplicação de vírus gigantes. Segundo Abrahão, as amebas são extremamente resistentes a agentes químicos e físicos de controle, como desinfetantes e raios ultravioletas utilizados em alguns ambientes hospitalares.

*Versão resumida de matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 14/05/2014

Artigo: Samba virus: a novel mimivirus from a giant rain forest, the Brazilian Amazon
Autores: Rafael K. Campos, Paulo V. Boratto, Felipe L. Assis, Eric RGR Aguiar, Lorena CF Silva, Jonas D. Albarnaz, Fabio P. Dornas, Giliane S. Trindade, Paulo P. Ferreira, João T. Marques, Catherine Robert, Didier Raoult, Erna G. Kroon, Bernard La Scola, Jônatas S. Abrahão