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Nº 1864 - Ano 40
19.05.2014

Geopolítica em torno de gente e riquezas

Livro com artigos de professores do IGC aborda relações entre poder, populações e recursos

Itamar Rigueira Jr.

A sociedade do conhecimento e a globalização tornaram ultrapassados fatores outrora decisivos para a sobrevivência das sociedades, como recursos naturais e estoques populacionais? Ganhos especulativos excepcionais podem sustentar a prosperidade de países, dispensando mobilização de capitais produtivos, mão de obra, planejamento e regulação do Estado?

A resposta é não, de acordo com reflexões do professor Ralfo Matos, do Instituto de Geociências, em um dos capítulos do livro População, recursos materiais e ­geopolítica (Paco Editorial). O autor entende que instâncias primordiais como espaços ocupados, populações em crescimento e recursos disponíveis “caminham para ambientes de grandes incertezas”, como descreve, no primeiro capítulo da obra, o italiano Livi Bacci, professor da Universidade de Florença e considerado um dos maiores demógrafos da atualidade.

Depois de ressaltar que a população mundial decuplicou nos últimos 300 anos, Bacci enumera consensos – como o de que em 2050 a África terá quase um quarto da população mundial – e ressalta as tais “grandes incertezas”: ele afirma que não está garantido o aumento da capacidade de sobrevivência (os custos da saúde pública são crescentes) e que é ainda mais duvidoso o quadro na área da fecundidade, já que “os países desenvolvidos estagnaram-se muito abaixo do nível de reposição e não manifestam sinal evidente de recuperação”.

Outro curso incerto é o das migrações, em função da grande complexidade do fenômeno, influenciado por fatores demográficos, econômicos, políticos e geográficos. Além disso, segundo escreve Livi Bacci, “é impossível dizer como o aprofundamento da globalização e as persistentes desigualdades demográficas e econômicas irão interagir com as políticas migratórias, que se tornaram mais seletivas e restritivas”.

Quatro tempos

Autor de obras sobre desenvolvimento territorial, população, geografia histórica e econômica, o professor Ralfo Matos organizou o livro a partir da constatação de que, no Brasil, a geopolítica tem sido assunto de historiadores, economistas e cientistas políticos, e que os geógrafos têm produzido pouco nesse campo. Entre diversas considerações teóricas, Matos revisita quatro “momentos histórico-culturais que deixaram consequências profundamente vivas até os dias de hoje”: a revolução agrícola de dez mil anos atrás, a civilização grega, as conquistas das grandes navegações dos séculos 15 e 16, e a imposição da supremacia europeia no século 19. Este último “tempo” oferece o mote para análise sobre o caso da China nos tempos atuais, incluindo implicações entre crescimento, comércio internacional, geração de energia e insumos, recursos populacionais como força de trabalho e intervenção do Estado.

Também professor do IGC, Célio Horta traça no terceiro capítulo um panorama da geopolítica latino-americana, marcada por colonização, apropriação de recursos por estrangeiros, escravidão, governos populistas e nacionalistas, ditaduras, desenvolvimentismo e neoliberalismo. “O rompimento das oligarquias com o passado não significou que os recursos passassem a beneficiar as populações. E isso gerou diversas formas de resistência, que desaguaram, por exemplo, em governos como os do Equador e da Bolívia”, comenta Horta.

Para fechar a obra, o professor Danilo Dalio, doutorando em História Econômica pela USP, aborda a Primavera Árabe para sugerir oposição entre governos autocráticos e os interesses da ampliação do mercado capitalista. A propósito do último capítulo, José Irineu Rigotti, professor da Face, explica no prefácio que as tensões provocadas pela globalização pressionam o Estado-Nação por cima, com ações econômicas e militares, e provocam seu desgaste por meio de manifestações populares. “O intrincado vínculo entre Estado e cidadania é bem analisado pelo autor ao problematizar a convergência, bastante atual, entre as forças homogeneizadoras da sociedade internacional e os anseios de uma juventude educada e frustrada com a forma de apropriação da riqueza socialmente produzida”, afirma Rigotti.

Livro: População, recursos naturais e geopolítica
Organizado por Ralfo Matos
Com textos de Livi Bacci, Ralfo Matos, Célio A.C. Horta e Danilo José Dalio
Paco Editorial
169 páginas / R$ 39,90 (preço de capa)