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Nº 1873 - Ano 40
25.08.2014

Obstáculo à ressocialização

Tese revela deficiências na oferta de serviços de saúde no sistema prisional mineiro

Ewerton Martins Ribeiro

Muito se fala sobre o sistema prisional radicalizar ou mesmo formar criminosos, em vez de recuperá-los. Ao mesmo tempo, significativa parte da população se mostra refratária a políticas públicas que busquem tornar o ambiente carcerário mais propício à recuperação do preso. Esse cenário paradoxal traduz um preconceito arraigado no tecido social: o de não se reconhecer a população carcerária como demandante e legítima beneficiária de políticas públicas.

“Trata-se de mazela que a sociedade não tem interesse em resolver”, pontua a pesquisadora Núbia Cristina da Silva, autora da tese Avaliação dos serviços de saúde do sistema prisional em Minas Gerais: os desafios da gestão, defendida no Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração (Cepead) da Face. Em seu estudo, Núbia avaliou o desempenho das equipes e unidades de saúde que atuam no sistema prisional mineiro no que diz respeito à oferta de serviços primários. Valeu-se, para isso, de análises quantitativas e qualitativas e de diversas fontes de dados e dimensões de análise.

O fio condutor da análise foi o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), publicado em 2003 como Portaria Interministerial dos Ministérios da Justiça e da Saúde, e que posteriormente se configurou como uma política de saúde. Os resultados da pesquisa revelam diversos problemas no sistema de saúde carcerário. “O que se vê são estruturas precárias e inadequadas, recursos humanos insuficientes e limitada oferta de serviços de saúde”, resume a pesquisadora.

Núbia visitou 15 unidades prisionais de Minas Gerais para a coleta de dados e entrevistou diretores e profissionais das equipes de saúde que nelas atuam. “Na visão dos entrevistados, as políticas são elaboradas, discutidas e implantadas sem a participação de profissionais que atuam diretamente nas unidades prisionais. Seus relatos deixam nítido o distanciamento entre quem elabora e quem executa a política de saúde”, critica.

Os problemas diagnosticados na pesquisa são variados. “Quanto à estrutura, as entrevistas denunciam instalações insuficientes, fora dos padrões mínimos de qualidade necessários para dar suporte ao trabalho. Também há falta de instrumentos, equipamentos e medicamentos”, acrescenta Núbia Cristina da Silva.

A tese também diagnostica dificuldades burocráticas, que vão da falta de documentos dos próprios detentos à necessidade de adequação à rotina dos presídios, que não coincide com a rotina necessária para a realização dos procedimentos de saúde, como a prescrição de medicamentos. Nesse sentido, o trabalho identifica a supremacia da justiça sobre a saúde: protocolos de segurança são sempre priorizados em relação aos protocolos médicos, realidade corroborada por declarações dos entrevistados: “Às vezes, se atrasa ou se cancela o atendimento do preso porque não é possível deslocá-lo”, disse um diretor de presídio à pesquisadora; “Se recebemos um alerta da inteligência sobre tentativas de resgates, motins, rebeliões, paramos a saúde sem questionar”, ilustrou outro.

Soluções

Em seu trabalho, Núbia sugere medidas de aprimoramento do sistema. “É preciso reestruturar categorias profissionais que integram as equipes de saúde. Além de enfermeiro e técnico de enfermagem, essas equipes contam apenas com clínico geral”, lembra. Por causa do formato, é preciso tirar o preso da penitenciária para tratar qualquer problema de saúde mais complexo. “E isso é algo que, por questões de segurança, não funciona na prática. Se houver um problema de saúde, o preso vai sofrer e morrer na cadeia antes de sair para ser atendido”, argumenta ela, sugerindo que o problema seja minimizado com a inclusão de outras especialidades médicas nas equipes de saúde.

O período de oferta do atendimento de saúde também é um problema. Segundo Núbia, o PNSSP oferece 20 horas semanais de atendimento, o que não cobre três horas diárias de prestação de serviços de saúde. Para a pesquisadora, o ideal é a oferta de serviços de saúde durante 24 horas diárias, tal como se dá fora dos presídios: “É preciso lembrar que, estando o cidadão sob custódia do Estado, é sua obrigação se responsabilizar por ele. E mais do que isso: se, por um lado, a falta de um serviço de saúde digno agrava o descontentamento do preso com a sociedade e com o sistema, uma oferta de saúde digna poderia colaborar com a ressocialização”.

Tese: Avaliação dos serviços de saúde do sistema prisional em Minas Gerais: os desafios da gestão
Autora: Núbia Cristina da Silva
Orientador: professor Allan Claudius Queiroz Barbosa
Defesa: maio de 2014, no Centro de Pós-graduação e Pesquisas em Administração (Cepead) da Faculdade de Ciências Econômicas