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Nº 1876 - Ano 40
15.09.2014

Urbanizar sem devastar

Trabalho de pesquisadores do Cedeplar propõe que desenvolvimento na Amazônia seja coerente com as peculiaridades locais

Itamar Rigueira Jr.

A urbanização na Amazônia ocorre de forma rápida e peculiar – em razão das relações com o bioma – e ainda é pouco conhecido. Algumas características que mais chamam a atenção estão relacionadas ao fato de que o desenvolvimento das áreas urbanas que crescem em torno da grande mineração, da pecuária e da cultura da soja possui capacidade limitada de geração de oportunidades e transformações positivas na vida local. Isso não quer dizer, contudo, que a urbanização na Amazônia esteja necessariamente associada à devastação.

O processo de desenvolvimento não transcorre sem a urbanização. A questão é: de que urbanização a região precisa? Certamente não é aquela baseada apenas nos megainvestimentos direcionados à economia industrial nem aquela em que são reproduzidos os padrões de outras regiões do país”, afirma o doutorando em Economia pela Face Harley Silva. Ele assina, com Sibelle Diniz e o professor Roberto Monte-Mór, o artigo O campo cego das alternativas de desenvolvimento no bioma amazônico, que será apresentado nesta semana no 16º Seminário sobre a Economia Mineira, em Diamantina.

Os autores, que visitaram municípios no sudeste do Pará – entre Marabá e São Félix do Xingu –, lançam mão dos conceitos de pensadores como Milton Santos, Bertha Becker e Jane Jacobs para propor a adoção de novos paradigmas na tentativa de compreender e buscar soluções para os problemas da Amazônia. “Em vez de apenas retirar árvores e cavar minas para exportar madeira, soja, carne e minérios, em perspectiva baseada na venda de commodities, um projeto para a região deve se basear no conhecimento e respeito à biodiversidade. Um caminho possível é a produção com uso sustentável de espécies locais como o açaí, fibras e condimentos e alimentos raros que podem se associar a atividades como gastronomia, artesanato e formas reguladas de turismo”, explica a economista Sibelle Diniz.

Ciência e inovação

Um processo de urbanização adequado para a região, segundo os pesquisadores, deve se apropriar das oportunidades oferecidas pela cultura local, por meio da sofisticação e da sistematização do que já existe. E isso significa desenvolver ciência. Harley Silva e Sibelle Diniz lembram, a propósito, que a geógrafa Bertha Becker – que morreu no ano passado e será homenageada durante o Seminário de Diamantina – propunha um sistema de inovação para a Amazônia. “Esse trabalho pode ser feito por universidades e centros de pesquisa da região, principalmente se buscarem cada vez mais ligar-se às especificidades regionais e construir conexões com os desafios do bioma amazônico”, comenta Harley.

As peculiaridades regionais devem inspirar não apenas a ciência, mas também iniciativas empresariais. “As exigências de convivência com o clima, por exemplo, poderiam gerar oportunidades de inovação tecnológica e negócios, desde que se levasse a sério a existência de alternativas à solução padronizada do ar-condicionado. Assim como o potencial hidrográfico e o conhecimento local sobre os rios não podem ser ignorados em favor da solução generalizada da construção de estradas”, exemplifica o pesquisador.

A abordagem do trabalho de Harley, Sibelle e Monte-Mór se inspira também na ideia dos dois circuitos econômicos gerados pela urbanização dos países subdesenvolvidos, segundo teoria do geógrafo Milton Santos. O circuito superior é de alta intensidade tecnológica, quase sempre destinado à exportação, recebe expressivos volumes de investimento e tem grande participação na produção. O circuito inferior, por sua vez, embora articulado com o primeiro, tem dinâmica própria e envolve muito mais trabalhadores – em muitos casos atuando de maneira informal –, com pouco acesso a políticas públicas, crédito e apoio técnico.

“Fomos ao sudeste do Pará para conhecer mais de perto a realidade em que atuam agricultores familiares, pescadores e extrativistas que desenvolvem atividades promissoras do ponto de vista da conservação ambiental”, conta Sibelle Diniz. No trabalho de campo, os pesquisadores observaram também o fenômeno da migração de famílias de baixa renda, oriundas de estados como Piauí e Maranhão, que se mudam para áreas de economia dinâmica em razão dos investimentos da mineração. “Esses grupos recebem notícias de grandes investimentos e se deslocam à procura de oportunidades, mas costumam encontrar apenas ocupações precárias. Muitas vezes, atividades que fazem crescer rapidamente o PIB de estados da Amazônia não têm efeitos indutores sobre a economia local”, avalia Sibelle.

Os autores utilizam também uma adaptação da noção de “trabalho novo” – conceito desenvolvido pela americana Jane Jacobs – à questão da urbanização da Amazônia. Eles apostam na busca constante de novas respostas para problemas conhecidos e de soluções para problemas rotineiros como um possível motor de desenvolvimento. “O trabalho novo nasce principalmente no cotidiano da cidade, e muito frequentemente isso acontece na relação do homem com a natureza. E a Amazônia é repleta de vida e de materiais, um conjunto imprevisível de oportunidades de criação”, comenta Harley Silva.