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Nº 1886 - Ano 41
24.11.2014

Futebol sem clichês

Coletânea de professor da Letras sugere esgotamento de mito identitário baseado no futebol

Ewerton Martins Ribeiro

Que papel a literatura ocupou – ou ocupa – na construção do imaginário futebolístico nacional? E o jornalismo: qual foi sua contribuição para a constituição do mito identitário brasileiro que confunde samba, futebol, malandragem e carnaval no tão repisado clichê? Nos textos de Quem desloca tem preferência: ensaios sobre futebol, jornalismo e literatura (Relicário Edições), o professor da Faculdade de Letras Marcelino Rodrigues da Silva propõe-se o desafio de compreender a evolução do futebol no Brasil por meio de suas várias representações. O livro será lançado nesta semana, em Belo Horizonte.

Quem desloca... reúne mais de 20 artigos publicados originalmente em revistas, livros, sites, jornais e anais de eventos acadêmicos, além de material inédito. “Em alguns, o autor volta a uma de suas especialidades, a canonização do futebol no jornalismo brasileiro e o papel que nela cumpriram figuras como Mário Filho e seu irmão Nelson Rodrigues. Em outros, a história do futebol mineiro recebe tratamento detalhado, em algumas das melhores páginas já escritas sobre a rivalidade entre Galo e Cruzeiro”, aponta o professor de literatura (e atleticano apaixonado) Idelber Avelar na orelha do volume. Como fio condutor dos textos, marca posição a desconfiança quanto à validade das premissas identitárias nacionais que pautaram o entendimento do futebol no Brasil no decorrer do século 20.

Ah, Minas Gerais

Se Atlético e Cruzeiro vêm protagonizando atualmente o futebol brasileiro com a conquista de alguns dos principais títulos disputados no país – e fora dele –, Marcelino, em espirituosa coincidência, honra essa fase dos times mineiros ao dedicar todo o segundo quarto de seu livro aos estudos que fez sobre o futebol no estado e a disputa entre os dois maiores clubes de Belo Horizonte. Nesses textos, o pesquisador mobiliza tal rivalidade para discutir “ideias modernizantes do Brasil, a construção identitária da capital mineira e a elaboração da memória inventada das duas torcidas” –, além da criação dos mascotes dos times mineiros, como comenta o pesquisador Pedro Kalil Auad na apresentação da obra.

Antes, na primeira parte do livro, Marcelino faz espécie de introdução à sua abordagem temática, tratando de questões mais gerais: a relação entre o esporte e as artes, as letras, o Modernismo, a identidade, a memória. Já na terceira parte, o autor de Mil e uma noites de futebol: o Brasil moderno de Mário Filho (Editora UFMG, 2006) aborda a importância dos jornais e de outras mídias para a construção do ideário futebolístico no país.

Na quarta – e última – parte do livro, Marcelino retoma as relações entre o esporte e diversos campos da vida humana, como o cinema e a literatura, e propõe diálogos até mesmo com outros esportes, como o surfe. Neste bloco, o futebol é pensado como construção discursiva e, ao mesmo tempo, mote para discursos. Após esse bloco, o livro ainda traz um texto inédito do autor, mais próximo da crônica que do ensaio, em que ele faz breve reflexão sobre O que foi feito do país do futebol?, à luz da realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

Neste texto, Marcelino sugere que a potência do futebol como o antigo mito político que representava se exauriu. “Chegou a hora, enfim, de renegociarmos a imagem que fazemos de nós mesmos, no futebol e em outros campos. O mito populista do Brasil malandro, do Brasil do samba, do carnaval e do futebol talvez já não nos represente mais com a mesma eficácia”, insinua.

Com seu argumento, Marcelino finalmente fecha a porta para alguns dos principais lugares-comuns que insistiam em pautar a recepção e a percepção do esporte no Brasil. Por outro lado, ele descobre uma janela para novo entendimento do esporte: “Está novamente aberta a oportunidade histórica de reconstruirmos o passado e fazermos brilhar dele uma promessa de futuro. Contemos outra vez a história do futebol brasileiro”, propõe o autor.

Livro: Quem desloca tem preferência: ensaios sobre futebol, jornalismo e literatura
Autor: Marcelino Rodrigues da Silva
Relicário Edições
Relicário Edições
Lançamento: 29 de novembro, às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi).
Informações: 3227-3077
289 páginas / R$ 40 (preço de capa)