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Nº 1898 - Ano 41
06.04.2015

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opiniao

A UFMG em questão

Luciano Mendes de Faria Filho*

A publicação de série de reportagens pelo jornal Estado de Minas sobre as questões que o próprio veículo identifica como tráfico de drogas, insegurança e vandalismo nas dependências da UFMG, notadamente na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), tem mobilizado a comunidade universitária em uma rara reflexão sobre a situação e os rumos da maior universidade federal de Minas e uma das mais importantes do país.

Penso que, por um lado, não podemos ser ingênuos a ponto de achar que o jornal está mirando apenas a UFMG nem ser capturados pelas malhas da própria reportagem e da maneira como ela produz a realidade na e por meio da notícia. Por outro lado, não podemos achar também que está tudo bem e que as reportagens representam simplesmente mais uma investida do jornal contra a UFMG.

Reiteradamente, as reportagens enfatizam que os problemas foram criados ou agravados com o corte de recursos federais para as universidades, numa clara estratégia de federalizar o problema, dando-lhe uma hiperatualidade que tanto encobre o investimento político do jornal quanto obscurece a percepção do problema. Na verdade, o veículo e boa parte da imprensa vêm mirando, já há muitos anos, o problema da expansão das universidades públicas e de sua ocupação por outros sujeitos e insistentemente têm focado o perigo que isso representaria para a qualidade e até para a integridade dessas instituições.

É preciso que reconheçamos que muitos setores da universidade, entre professores, alunos e servidores técnico-administrativos em educação (TAEs), concordam com esses diagnósticos e andam apreensivos há muitos anos. Do mesmo modo, boa parte da população – e não apenas aquela que lê o jornal – talvez também apresente a mesma apreensão. Nesse sentido, muitos jovens – com seus vários pertencimentos identitários – e suas famílias, que muito lutam e lutaram por um lugar na UFMG, gostariam de ter uma instituição como outras gerações tiveram: um lugar de distinção social, econômica e cultural. É com essa apreensão e com esse medo de perda que o jornal joga.

No entanto, é preciso evitar outra forma de captura pelas malhas das reportagens tanto na circunscrição do problema e, logo, na sua produção, quanto na formulação dos diagnósticos e das soluções. O problema não é da/na Fafich nem tem apenas as cores com que o jornal o pinta, o que não quer dizer que o jornal invente, pura e simplesmente, os problemas.

Sabemos que o crescimento das universidades federais, entre elas a UFMG, veio atender a uma grande demanda social e política e acabou concretizado sem planejamento, sem que a estrutura técnico-administrativa crescesse no mesmo ritmo e sem que houvesse a criação de condições materiais que o suportasse, para dizer o mínimo. Houve, nesse sentido, uma precarização das condições de trabalho e de funcionamento da Universidade, sobretudo no período noturno, fato notório e afirmado, há muito, por alunos, por professores e até pelos gestores. Desse modo, o próprio crescimento, sua dinâmica política e sua direção – para o noturno e não para o diurno – precisam se problematizadas e mais bem entendidas. As faces noturnas das universidades públicas não podem ser deixadas de lado no momento de se fazer os diagnósticos, sob pena de defendermos soluções que pouco têm de democráticas, de inclusivas e de transformação do ambiente acadêmico em um local melhor para conviver, para ensinar e aprender, para criar e pesquisar, para trabalhar e para se divertir.

Por isso mesmo, não podemos esquecer que as universidades federais, sobretudo as grandes, se transformaram, nas últimas décadas, em instituições de grande complexidade, sem que as nossas estruturas institucionais, de governo e de apoio acompanhassem esse movimento. Some-se a isso o deslocamento crescente de seus modos de consagração acadêmica para o campo da pesquisa científica. O resultado é uma combinação desastrosa. Estamos imersos em uma realidade totalmente nova com a qual lidamos com ferramentas e competências dos anos 1970 e 1980.

O retrato estampado nas páginas do principal jornal mineiro sobre a principal universidade do estado, no que ele tem de verdadeiro, é fruto de um conjunto complexo de questões que nem de longe é um problema apenas da Fafich. Isso não quer dizer que sua comunidade não tem a responsabilidade de se debruçar sobre os problemas que lhe concernem para buscar uma solução coletiva. Não fazê-lo seria uma grande irresponsabilidade. Da mesma forma, seria igualmente irresponsável dizer que o problema é dela e somente dela. A UFMG, todos nós, dirigidos pelo Reitorado que aí está, temos de desenvolver estratégias para corrigir nossas deficiências estruturais, que, em boa parte, estão na origem de alguns dos problemas vividos pela comunidade universitária da Fafich, mas também por todas as outras unidades acadêmicas.

Isso significa, entre outras coisas, recuperar nossa capacidade de planejar, repactuar as formas de governo universitário, rever nossas formas de administração acadêmica, conjugar criatividade e ousadia no enfrentamento dos problemas existentes, e não apenas para a projeção do futuro. Significa também que as soluções propostas devem (ou deveriam) levar em conta a experiência e os conhecimentos acumulados. Se não for assim, que autoridade teremos para cobrar dos órgãos públicos e da sociedade civil? Se queremos que a experiência e os conhecimentos que acumulamos influenciem as políticas públicas, devemos começar pelas nossas próprias políticas.

* Professor titular da Faculdade de Educação e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022