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Nº 1898 - Ano 41
06.04.2015

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A voz dos silenciados

Coletânea de artigos apresenta, à luz da análise do discurso, reflexões sobre indivíduos socialmente excluídos

Matheus Espíndola

Luiza Ananda
Helcira, Glaucia e Ida Machado: análise dos discursos dos excluídos
Helcira, Glaucia e Ida Machado: análise dos discursos dos excluídos

“A História é, em geral, contada do ponto de vista do dominador. A voz do outro – o dominado – é abafada, silenciada. Seu eco permanece, porém, nos vãos, nas fissuras do sistema, esperando a oportunidade de ser ouvida.” O trecho, que consta na apresentação do livro Discurso e (des)igualdade social, introduz a proposta da obra: trazer à tona representações sobre os segregados, construídas em diferentes campos discursivos, entre os quais a literatura, as mídias e a política.

Organizada pelas professoras Glaucia Muniz Proença Lara, da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, e Rita de Cássio Pacheco Limberti, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a obra, recém-lançada pela Editora Contexto, reúne 11 artigos assinados por estudiosos da Análise do Discurso (AD) e áreas afins. Entre os autores, estão as também professoras da Fale Ida Lucia Machado e Helcira Lima, assim como expoentes internacionais da análise do discurso, como Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau.

“O objetivo maior é escutar essas vozes abafadas, silenciadas; as vozes daqueles que são diferentes de nós e que, por isso mesmo, ‘ameaçam’, de alguma forma, a nossa identidade”, destaca Gláucia Muniz. “Ao dar voz aos excluídos ou aos que falam em nome deles”, comenta Rita Limberti, “o livro subverte uma história que é, em geral, contada do ponto de vista do dominador, não do dominado”.

Autorretratos

Em Narrativa de vida e construção da identidade, Ida Lucia Machado examina textos em que pobres, desprezados e sem domicílio fixo esboçam seus autorretratos. Helcira Lima, autora do artigo Mulheres e emoções em cena, examina a forma como as protagonistas femininas de dois filmes dirigidos por Karim Aïnouz – O céu de Suely (2006) e O abismo prateado (2011) – sinalizam as mudanças pelas quais passam as mulheres na contemporaneidade.

O francês Patrick Charaudeau, em Identidade linguística, identidade cultural: uma relação paradoxal, mostra que a nossa identidade se constrói sobre um paradoxo: precisamos do outro na sua diferença para tomar consciência de nossa existência, mas, ao mesmo tempo, sentimos a necessidade de rejeitá-lo ou de torná-lo semelhante a nós.

O também francês Dominique Maingueneau, por sua vez, examina a forma como o poeta burguês do século 19 Émile du Tiers, ao escrever para pessoas cultas como ele, projeta-se como um camponês em O poeta e o camponês: o impossível ponto de vista do dominado.

O holandês Teun van Dijk, em Discursos das elites e racismo institucional, analisa aspectos discursivos referentes ao papel das elites europeias na reprodução do racismo, enfatizando a sutileza com que este se “invisibiliza”. O autor considera que, na percepção de muitos cidadãos, o racismo está se tornando aceitável e se convertendo em reação de “bom senso” à “invasão” de outros não europeus.

Com base em um material heterogêneo, que inclui discursos, notícias e outros textos da última campanha de que participou o ex-presidente Hugo Chávez, a venezuelana Adriana Bolívar analisa, em A afetividade no discurso populista, a comunicação direta e afetiva entre o líder e o povo.

Aceitação real

Para as organizadoras, a forma mais perversa de segregação ocorre veladamente: “afirmar que se aceita o outro, mas querê-lo convenientemente a distância não é aceitação real”, comentam. Além de índios, negros e imigrantes, a quem se atribui uma diferença político-ideológica, a obra faz alusão à “legião de segregados” composta por vários outros segmentos: os homossexuais, os idosos, as mulheres, as pessoas do campo e da periferia, os pobres e os deficientes, entre outros.

Para Glaucia Muniz, a obra pode contribuir para as pesquisas não apenas em análise do discurso, domínio em que se inscreve, mas também em áreas como sociologia, antropologia e história. “O diálogo produtivo que a área mantém com outras disciplinas permite-lhe ampliar e enriquecer seu campo de estudo”, conclui.

Livro: Discurso e (des)igualdade social
Organizadores: Glaucia Muniz Lara Proença e Rita de Cássia Pacheco Limberti
Preço: 206 páginas/ R$ 39,90 (preço de capa)
Editora Contexto