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Nº 1898 - Ano 41
06.04.2015

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Panfletos em guerra

Em coleção, historiadores defendem que processo de Independência do Brasil envolveu intensa mobilização popular, extrapolando a articulação de uma pequena elite dirigente

Ewerton Martins Ribeiro

O cenário: as plácidas margens de um riacho. O protagonista: um altivo príncipe que, montado em seu alazão, empunha o sabre e se prepara para soltar um grito libertador. No famoso óleo sobre tela de Pedro Américo, o “Independência ou morte!” de Pedro I selaria a emancipação brasileira da metrópole portuguesa no dia 7 de setembro de 1822.

Por mais caricata que essa alegoria possa parecer, ela ainda ilustra o discurso histórico dominante sobre a Independência do Brasil: a de que a nossa emancipação teria sido um processo resolvido por algumas poucas figuras, membros de uma elite dirigente, e em virtude de ocorrências mais precisamente delimitadas, como o improvável “Grito do Ipiranga”.

A essa narrativa reducionista da historiografica tradicional se opõe a série Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823), publicada pela Editora UFMG. Os panfletos transcritos na coleção demonstram que a independência foi o desfecho não apenas de heroísmo pessoal de Dom Pedro ou do arranjo que ele conseguira com seu pai, mas, sobretudo, de intensa mobilização social, e que transcorreu por todo o quadriênio, com marcas territoriais particulares.

Os livros trazem o resultado de uma pesquisa que remonta ao ano de 1997. “Eles são fruto de mais de uma década de trabalho e vão oferecer uma conotação diferente para a história da Independência brasileira. Até então, tinha-se a ideia de que a nossa independência se dera como um processo ‘de cima para baixo’, mas os panfletos problematizam isso. Os organizadores encontraram e reuniram um material que expõe a participação popular no processo de independência. Houve mobilização de diversos setores”, comenta o vice-diretor da Editora UFMG e professor da Faculdade de Letras, Roberto Said.

A série Guerra literária é composta de quatro volumes, que somam mais de três mil páginas e reúnem quase a totalidade dos panfletos impressos que resistiram ao tempo – materiais que, por estarem dispersos em arquivos do Brasil, de Portugal e do Uruguai, até então só eram usados de modo esporádico e fragmentário por historiadores.

A coleção foi organizada por José Murilo de Carvalho, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Lúcia Bastos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Marcello Basile, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Para José Murilo, os panfletos “são a prova de que existiu um debate muito intenso a respeito de todas as grandes decisões da Independência”.

Pena em punho

O primeiro volume da coleção, denominado Cartas, reúne os textos mais polêmicos e agressivos do conjunto: são documentos vazados em forma de cartas abertas que, dirigidos a pessoas específicas, provocaram réplicas e tréplicas num profícuo debate público entre funcionários públicos, religiosos, profissionais liberais, negociantes e proprietários de terra.

O segundo volume, Análises, traz reflexões, projetos, teses, refutações e defesas produzidos a respeito da tese de Independência em que se discutiam conceitos como os de liberalismo, constitucionalismo, secularismo, soberania, recolonização, entre outros – com forte presença do tema religião, em especial nos panfletos portugueses. São esses panfletos que oferecem o melhor termômetro do ambiente intelectual da época.

As três categorias de panfletos impressos que compõem o terceiro volume inspiraram o nome Sermões, diálogos, manifestos. Na categoria “Sermões”, enquadram-se também as orações e os discursos. Em “Diálogos”, por sua vez, incluem-se os catecismos e os dicionários. Em “Manifestos”, figuram proclamações, representações, protestos, apelos e elogios.

O quarto e último volume da coleção – Poesias, relatos, Cisplatina – organiza-se nesses três blocos. O bloco “relatos” inclui também exposições, memórias e notícias relacionadas à Independência.

O lançamento de Guerra literária será na quinta-feira, dia 9, a partir das 10h, no Auditório Azul da Escola de Ciência da Informação (ECI). Às 10h30, os professores Guilherme Pereira das Neves, Júnia Furtado e Heloísa Starling debatem o tema A linguagem política dos panfletos nos séculos 17 e 18. Às 15h, os três organizadores da obra conversam com o público sobre a coleção. O evento é promovido pela Editora UFMG e pelo Projeto República. Em maio, a série será lançada em Portugal.


Livro: Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823)
Autores: José Murilo de Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile
Preço: 4 volumes / R$ 120
Editora UFMG