Busca no site da UFMG

Nº 1902 - Ano 41
04.05.2015

y
opiniao

O que os protestos trazem de novo para a política brasileira?

Helcimara de Souza Telles*

Os protestos de 15 de março e de 12 de abril foram convocados principalmente por três grupos com face pública nas redes sociais – Vem pra Rua, Movimento Brasil Livre e Revoltados Online – e por políticos do PSDB. Pouco se conhece sobre o perfil dos eleitores que frequentam os espaços online. Tomando por base o discurso enunciado pelos líderes que organizaram os protestos de 15 de março e os conteúdos compartilhados durante as convocatórias, observa-se que a manifestação reuniu grupos ideologicamente distribuídos em posições distintas, que passam pelo centro e também alcançam a extrema direita.

Em 15 de março, o evento foi exitoso, sobretudo no Sul e no Sudeste, regiões nas quais se concentrou significativo número de manifestantes e onde o senador Aécio Neves obteve maior votação. Uma primeira “novidade” a destacar é a organização não institucional desses grupos, que não foram liderados por “políticos tradicionais”. Um segundo fato é a presença do antipetismo nas mensagens compartilhadas, inclusive nos espaços off-line.

Os manifestantes que compareceram aos protestos contra o governo da presidente Dilma Rousseff, em 12 de abril, em Belo Horizonte, foram pesquisados por meio de um survey. Eles são, em sua maioria, brancos, com alto grau de escolaridade, buscam informações, sobretudo, nas redes sociais e nutrem sentimento antipetista. Em geral, apresentam resistência aos temas que dizem respeito à expansão dos direitos das minorias, uma vez que a maior parte discorda das políticas governamentais de inclusão social, como o Bolsa Família e as cotas raciais.

Surpreende, ainda, que parcela significativa desses manifestantes considera que nordestinos e pobres não têm consciência e informação suficientes para tomar decisões políticas, o que demonstra adesão à hierarquia social das classes. Além disso, chama a atenção o fato de que os que protestavam aceitam as políticas punitivistas, como a redução da maioridade penal, e apoiam o porte de armas. Eles prezam a liberdade individual e econômica, consideram que os impostos são muito altos, compondo, nesse aspecto econômico, um perfil liberal clássico. Outro elemento a ser destacado é o forte componente da ideologia “anticomunista” da Guerra Fria, que já se fez presente no Brasil no período anterior ao golpe militar. Esse grupo acredita que o país está a caminho de uma “venezualização” e cada vez mais parecido com Cuba.

Os manifestantes avaliam de modo bastante negativo a atuação da presidente Dilma e do ex-presidente Lula, considerados “malfeitores” e mandatários dos governos mais corruptos do país, mesmo quando comparados aos dos militares ou ao do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Deve-se destacar, ainda, que quase todos votaram em Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014. Contudo, nota-se que a maior parte dos manifestantes foram às ruas pela indignação com a corrupção, que consideram o principal problema do país. Em geral, estão profundamente desencantados com os partidos políticos e desejam a cassação, a renúncia ou o impeachment da presidente Dilma. Entretanto, quando perguntados sobre questões que dizem respeito à democracia representativa, os manifestantes discordam que a Presidência possa fechar o Congresso Nacional, censurar a imprensa ou interferir nos sindicatos.

Paradoxalmente, parte significativa considera que os militares podem ser chamados a tomar o poder, em caso de desordem no país, o que pode ser explicado pelo intenso desejo, por parte dos manifestantes, de interromper o atual mandato. Eles estão dispostos a retirar a presidente do poder, pelo uso de medidas legais ou ilegais, e alguns grupos desejam o fim dos atuais partidos políticos. Finalmente, seria o caso de indagar se os efeitos do ajuste fiscal e a piora dos indicadores econômicos poderão estender esse perfil ideológico a outras parcelas do eleitorado ou se as consequências econômicas poderão seduzir segmentos tradicionalmente sob influência do atual governo e do PT, sobretudo os recém-chegados à chamada “nova classe C”. O enfraquecimento da identidade partidária com o PT poderá aumentar os espaços para o antipetismo? Caso isso ocorra, aos insatisfeitos com a atual gestão poderão se agregar antigos eleitores e apoiadores da presidente? Esses grupos serão atraídos pelo principal partido de oposição ao governo, o PSDB, ou se manterão dispersos e distantes dos partidos políticos?

Os protestos demonstram que novos perfis ideológicos emergem, que os grupos oposicionistas têm ganhado visibilidade nas ruas e que o PT delas se distanciou. Deve-se destacar que, se a crítica da sociedade é neste momento dirigida ao partido que governa, os equívocos dos partidos políticos, em geral, parecem produzir um fenômeno de desafeto com a política institucional. Tal fenômeno é revelado pela perda de confiança nas instituições e na classe política. Em contextos de crise de representatividade e insatisfação, podem emergir atores com discursos mais radicalizados à direita. Em suma, pelo perfil dos manifestantes traçado pela pesquisa, pode-se concluir que estamos diante de um fenômeno no qual os grupos de direita moderada e radical que tomaram as ruas no dia 12 de abril têm como base de coesão o forte antipetismo, seja pela corrupção atribuída ao partido, seja pela resistência ideológica às políticas exitosas de inclusão social. Para os manifestantes, os “males do Brasil” são, em sua maior parte, provocados pelos governos e governantes identificados como petistas, o que revela um antipartidarismo reativo.

*Professora do Departamento de Ciência Política da Fafich