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Nº 1906 - Ano 41
01.06.2015

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Uma bactéria mutante contra a infecção

Tecnologia desenvolvida no ICB pode resultar em vacina contra a brucelose, doença que afeta o rebanho bovino e gera prejuízo de quase R$ 900 milhões por ano ao país

Hugo Rafael

Estima-se que a brucelose – doença crônica causada por bactérias do gênero Brucella – cause prejuízo anual de R$ 892 milhões ao setor pecuário brasileiro. A zoonose, que representa séria ameaça à saúde pública, motivou pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) a desenvolver estudos e testes nos últimos quatro anos, o que resultou em descoberta que pode dar origem a uma vacina mais eficaz contra a doença, destinada a animais.

A pesquisa, coordenada pelo professor Sérgio Costa Oliveira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia, foi destaque de capa, na edição de abril deste ano, da Infection and Immunity (IAI), revista da área biomédica publicada pela Sociedade Americana de Microbiologia. O trabalho resultou na tese de doutorado defendida por Job Alves de Souza Filho, no dia 21 de maio, no Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia do ICB.

“Ao longo dos últimos quatro anos, desenvolvemos uma linhagem mutante da bactéria Brucella em colaboração com o pesquisador Silvio Cravero, do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta) Castelar-Buenos Aires, da Argentina. Essa linhagem é menos virulenta, ou seja, tem menor potencial de causar doença e, em ensaios pré-clínicos, protegeu 100% dos animais de laboratório”, explica Sérgio Costa. Dados utilizados na tese de doutorado revelam que a brucelose atinge cerca de 5% do rebanho bovino em todo o território do Brasil, que possui cerca de 212 milhões de cabeças. Desde 2004, o país lidera as exportações no setor, vendendo carne para mais de 180 países.

Segundo o professor Sérgio Costa Oliveira, a pesquisa realizada no Laboratório de Imunologia de Doenças Infecciosas do ICB descreveu a atuação da proteína Mfp da bactéria Brucella envolvida na patogênese microbiana, processo que pode resultar no desenvolvimento da doença. “Em um primeiro momento, inativamos o gene da bactéria que codifica essa proteína. Em seguida, passamos aos testes de virulência e patogenicidade desse micro-organismo mutante. Após ensaios de vacinação e proteção em camundongos, observamos que a nova linhagem tem capacidade de induzir, com virulência reduzida, níveis de proteção contra a brucelose similares aos das vacinas hoje disponíveis no mercado”, detalha o pesquisador.

Marcador de luminosidade

O motivo de desenvolver nova alternativa de vacina, segundo Sérgio Oliveira, reside nas limitações das linhagens vacinais utilizadas atualmente para imunizar os rebanhos brasileiros. “As vacinas que existem hoje no mercado ainda são virulentas e podem provocar a doença no animal e até abortos em gestantes”, avalia.

Outra falha da vacina comercial – e que pode ser corrigida com a versão que contém a bactéria mutante proposta pelos pesquisadores do ICB – é a incapacidade de distinguir animais doentes dos que foram vacinados. “Isso é um problema sério para o controle da doença. Na bactéria mutante gerada em laboratório, incluímos um marcador de luminosidade, para diferenciar os animais vacinados dos infectados”, explica Sérgio Costa. Ele acrescenta que outra vantagem é a ausência da proteína Mfp na linhagem vacinal mutante.

Os testes do potencial vacinal da bactéria foram realizados em camundongos ao longo dos dois últimos anos da pesquisa, alcançando 100% de sucesso, de acordo com o professor. Entre os animais que receberam a linhagem mutante como vacina, não foi registrada nenhuma morte após inoculação posterior com a linhagem selvagem, o que demonstra o potencial da bactéria mutante de impedir o desenvolvimento da brucelose nos animais previamente imunizados.

“Todos os animais que receberam a bactéria selvagem com a presença da proteína Mfp, sem a prévia imunização, morreram em até 15 dias. Os ensaios de proteção mostraram que, quando se imuniza o camundongo com a linhagem mutante e, em seguida, com a virulenta, responsável pela doença, todos os animais continuam saudáveis”, afirma Sérgio Costa Oliveira.

O sucesso da pesquisa e dos testes realizados ao longo do trabalho de pesquisa, segundo o professor, abre perspectivas para idealizar o desenvolvimento de uma vacina que possa ser utilizada em animais e no homem.

Patente e parcerias

Segundo o professor Sérgio Costa Oliveira, os próximos passos são o registro da patente e a busca por parceiros da iniciativa privada – em especial, empresas que produzem vacinas – para ampliar os testes de imunização para animais de grande porte.

“É importante contar com o apoio das agências reguladoras nacionais vinculadas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Essas instituições devem ter abertura suficiente para aprovar a utilização de novas tecnologias como essa, geradas no próprio país”, defende o pesquisador.

De acordo com ele, a Universidade também precisa compartilhar as tecnologias que desenvolve com a sociedade. “Estamos investindo dinheiro público no desenvolvimento de tecnologias que poderão ficar paradas, uma vez que as agências reguladoras não facilitam em alguns momentos a aplicação dessas novas tecnologias”, avalia.

Também colaboraram com o trabalho, as pós-doutorandas Priscila Carneiro Campos e Juliana Alves-Silva e os professores Vicente de Paulo Martins, Gustavo Menezes e Vasco Azevedo.