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Nº 1910 - Ano 41
29.06.2015

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Um registro para idênticos e fraternais

Banco de dados vai cadastrar pares de gêmeos interessados em atuar como voluntários em pesquisas biomédicas e de saúde

Ana Rita Araújo


A UFMG vai sediar o primeiro registro de gêmeos da América do Sul. Desenvolvido com o apoio do Registro Australiano de Gêmeos, sediado na Universidade de Melbourne (Austrália), o projeto, que tem o objetivo de formar um banco brasileiro de dados para pesquisas científicas nas áreas biomédica e de saúde, já está cadastrando gêmeos – idênticos ou não – de todas as idades e de qualquer lugar do país.

“Não basta informar nome e endereço. Os interessados em se colocar à disposição para eventuais estudos acadêmicos precisam responder a questionário que vai possibilitar a elaboração de um perfil de saúde e demográfico dos gêmeos cadastrados”, explica uma das coordenadoras do trabalho, Daniela Junqueira, pós-doutoranda da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO).

Segundo ela, o potencial dos estudos com gêmeos é reconhecido mundialmente pela utilização de características genéticas e de desenvolvimento especiais desse grupo para investigar questões de saúde e bem-estar relevantes a toda a população. Daniela Junqueira destaca que o Registro Brasileiro de Gêmeos (RBG) pretende desempenhar importante papel no desenvolvimento do conhecimento científico sobre tratamento e prevenção de doenças, sobre gêmeos e nascimentos múltiplos e em questões relacionadas à pesquisa genética. “Quando um dos gêmeos tem uma doença, e seu idêntico, não, pode-se isolar a parte genética e estudar o componente ambiental”, explica a pesquisadora.

Respondido o questionário do registro, o projeto RBG convida os voluntários para estudo que investiga fatores genéticos e de estilo de vida que influenciam a ocorrência da dor lombar. Nessa investigação, o estudo de pós-doutorado de Vinicius Cunha Oliveira dá sequência a trabalho realizado na Universidade de Sydney (Austrália), sob orientação do fisioterapeuta brasileiro Paulo Ferreira, pesquisador visitante especial do CNPq, que já integrou o corpo docente da UFMG e hoje é professor naquela universidade australiana. Paulo Ferreira é o coordenador internacional do projeto, que, no Brasil, é liderado pela professora Luci Teixeira-Salmela, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

O projeto já foi aprovado ­preliminarmente pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Coep) da UFMG e está sediado oficialmente na EEFFTO. Integram a equipe responsável pelo projeto as professoras Luci Teixeira-Salmela e Ligia de Loiola Cisneros, ambas do Departamento de Fisioterapia, Daniela Junqueira, Paulo Ferreira e Vinicius Cunha Oliveira. “O Registro Australiano de Gêmeos (RAG) está apoiando todo o processo e aprovou recursos com o objetivo de oferecer suporte para a implantação do RBG”, informa Daniela Junqueira. Ela explica que a parceria abriu a oportunidade de transferência de tecnologia e de experiências com processos de gerenciamento de um registro desse porte.

“O site do RBG (gemeosbrasil.org) também está hospedado em servidor na Universidade de Melbourne. Estamos na fase de compreender como gerenciar um banco de dados que se propõe a ser muito grande, e eles têm experiência nisso”, completa a pesquisadora. Segundo ela, a Austrália possui um dos maiores entre os 17 registros de gêmeos do mundo e vasta tradição em pesquisa com esse grupo populacional. Criado na década de 1960, o RAG conta com mais de 30 mil pares de gêmeos cadastrados.

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Características genéticas e de desenvolvimento de gêmeos podem ser úteis na investigação de aspectos de saúde e bem-estar da população em geral
Características genéticas e de desenvolvimento de gêmeos podem ser úteis na investigação de aspectos de saúde e bem-estar da população em geral

Brasileiros

Por falta de levantamento oficial de registro de gêmeos, já que o censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não inclui esse quesito, é possível apenas estimar a quantidade de gêmeos no país. “Com base no registro nacional DataSUS, vimos que, em 2012, por exemplo, nasceram vivos quase 60 mil pares de gêmeos no Brasil, mas não temos dados de mortalidade”, comenta Daniela. De acordo com sua estimativa, a taxa de nascimento de gêmeos – pares e múltiplos – é de um para cada 19 mil habitantes, com pequenas variações entre as regiões.

A construção do RBG tem o objetivo de disponibilizar, para pesquisadores de todo o país, contatos de pares de gêmeos dispostos a participar de estudos, o que racionaliza tempo e recursos. Essa estratégia evita, por exemplo, perdas com ações de recrutamento. “Obviamente, para ter acesso ao banco, as pesquisas devem ter passado por processo de avaliação ética e de mérito científico”, pondera Daniela Junqueira.

O RBG gerenciará o recrutamento dos voluntários, controlando o número de convites para a participação em pesquisas enviados para cada gêmeo, minimizando eventuais importunos gerados pelo envio excessivo de convites. Informações individuais dos gêmeos registrados são confidenciais e o armazenamento e proteção dos dados seguem a regulamentação de proteção aos registros e aos dados pessoais (Lei 12.965, de 23 abril de 2014).

Segundo Daniela Junqueira, mesmo os gêmeos não idênticos – que são como irmãos comuns em termos genéticos – podem se cadastrar. “Ao estudar amostras de gêmeos idênticos e não idênticos, podemos comparar o que acontece na distribuição das doenças em pessoas geneticamente semelhantes e na população em geral”, comenta. Segundo ela, assim será possível saber se uma doença é mais frequente entre indivíduos geneticamente iguais, em comparação com aqueles geneticamente heterogêneos, ou descobrir se determinado estilo de vida, como o sedentarismo, influencia mais o desenvolvimento de uma doença em cada grupo. “A comparação é muito importante para se distinguir o que se deve atribuir ao componente genético e o que é devido ao estilo de vida e ao ambiente comum de convívio dos gêmeos”, enfatiza.

Interessados em se cadastrarem no RBG podem recorrer ao email registrobrasileirogemeos@gmail.com ou ao telefone (31) 3409-7438.

Efeitos adversos

Daniela Junqueira acaba de ser convidada oficialmente para atuar como uma das coordenadoras do Grupo de Métodos em Efeitos Adversos da Colaboração Cochrane, instituição sem fins lucrativos, formada por pesquisadores, profissionais de saúde e pacientes com o objetivo de produzir sumários com evidências científicas que tenham aplicação clínica e traduzir esse conhecimento para efetiva utilização na prática de profissionais de saúde.

“O grupo de efeitos adversos tem atualmente cinco responsáveis. Sou a primeira representante da América do Sul e de países em desenvolvimento”, comenta a pesquisadora, acrescentando que sua presença será importante “para gerar diversidade no grupo e levar outros desafios metodológicos, além de promover a inserção dessas diretrizes metodológicas no Brasil e nessa região do mundo”.

Pesquisadora especializada em epidemiologia, Daniela Junqueira atua na grande área de utilização de medicamentos e desfechos em saúde, com especial interesse por investigações sobre os efeitos adversos das intervenções em saúde e do componente genético dos desfechos de saúde. É graduada em Farmácia, mestre e doutora em Ciências Farmacêuticas pela UFMG, com período na Universidade de Sydney (Austrália). Atualmente, desenvolve residência pós-doutoral trabalhando na implantação do Registro Brasileiro de Gêmeos. O convite da Colaboração Cochrane se deve à sua expertise em metodologia epidemiológica e em saúde baseada em evidências.