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Nº 1910 - Ano 41
29.06.2015

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Decifradores de manuscritos

Grupo de estudantes da UFMG pesquisa e ensina a paleografia, técnica de leitura e transcrição de documentos antigos

Itamar Rigueira Jr.

Imagine um documento de três séculos atrás. Muitas palavras são grafadas de forma diferente, a caligrafia é estranha para os nossos dias, com muitas abreviações, o papel está malconservado, restam borrões de tinta, aqui e ali. É de se supor que será de pouca serventia para um pesquisador. Ledo engano. Há técnicas que auxiliam na leitura de um manuscrito original, combinando contextualização, identificação de autoria, cruzamento de dados e comparações entre elementos do próprio texto e com outros documentos.

Na UFMG, essas técnicas são estudadas e ensinadas por um grupo de estudantes de graduação e de pós-graduação reunidos na Oficina de Paleografia, sediada no Departamento de História, na Fafich. O objetivo é trocar informações, ajudar pesquisadores e até divulgar a paleografia em escolas de educação básica.

“O assunto não é contemplado nos currículos acadêmicos, e essa ausência é muito sentida. Mesmo no exterior, o que se sabe é que alguns professores treinam seus bolsistas de forma pontual”, afirma o doutorando em História Cássio Bruno de Araújo Rocha, um dos coordenadores da Oficina.

Os encontros semanais às segundas-feiras – sempre nos fins de tarde – atendem principalmente a alunos de graduação, de cursos como História, Arquivologia, Letras e Conservação-Restauração. As reuniões são abertas também a estudantes de outras instituições. Poucas contam com grupos do gênero, caso das universidades federais de Juiz de Fora, de Ouro Preto e Fluminense, onde surgiram oficinas inspiradas na da UFMG, criada no primeiro semestre de 2012 e pioneira no Brasil.

A Oficina de Paleografia promove seminários de introdução e capacitação, sessões de transcrição conjunta e aulas dos pesquisadores, cujos documentos foram objetos de trabalho do grupo. Alguns encontros são realizados fora da Fafich, em locais como o Centro de Conservação e Restauração (Cecor), da Escola de Belas-Artes, e o Setor de Obras Raras, na Biblioteca Central.

Manuais e dicionários

Mateus Rezende de Andrade, também doutorando em História e integrante do grupo de coordenadores da Oficina, menciona alguns procedimentos básicos da paleografia. “É recomendável, em primeiro lugar, tomar contato com o documento, identificar o que se conhece, formar uma ideia do que é o corpus documental. Para preencher lacunas, vale tentar comparações no texto, lançar mão de manuais de caligrafia de época e dicionários de abreviaturas”, enumera.

Também é importante recorrer a outros documentos, de mesmo período ou de autoria comum. Cássio Rocha sugere também que o pesquisador desenhe, ele mesmo, as letras usadas pelo calígrafo do documento em questão. “Entender o movimento da mão do autor ajuda a decifrar”, ele garante. Mateus Andrade ressalta que, por muito tempo, escreveu-se à pena e que normalmente há manchas provocadas pelo excesso de tinta que caía quando a pena voltava do tinteiro para o papel.

Outros fatores que devem ser considerados são a intencionalidade do documento – uma carta dirigida ao rei tem características muito diferentes das observadas em anotações marginais nos documentos de uso cotidiano, naturalmente escritos com mais rapidez e menos cuidado – e a influência da oralidade. “Documentos produzidos em Portugal ­podem ser muito distintos de outros lavrados no Brasil, potencialmente marcados pela maneira de falar de indígenas e africanos, por exemplo”, afirma Mateus Andrade, que estuda em registros paroquiais do século 19 as estratégias da elite, incluindo alianças matrimoniais, para manter posses e poder.

O treinamento oferecido pela Oficina de Paleografia inclui as técnicas de transcrição. Essa parte depende da intenção de atualizar ou não o português, manter ou desdobrar abreviações. É possível até transcrever reproduzindo o desenho do documento original, mantendo a distribuição dos elementos pela página. “Esse trabalho pode se destinar à publicação em um periódico ou apenas à pesquisa, e isso determina que regras serão adotadas”, explica Cássio Rocha. Sua pesquisa para o doutorado aborda os processos da Inquisição portuguesa, envolvendo sodomia e homoerotismo. Como seu recorte temporal é amplo, ele encontra grande multiplicidade de formas de escrita.