Livro sobre a escultura ‘Portal da Memória’, de Jorge dos Anjos, na Lagoa da Pampulha, será lançado amanhã

Livro sobre a escultura ‘Portal da Memória’, de Jorge dos Anjos, na Lagoa da Pampulha, será lançado amanhã

O Centro Cultural UFMG convida para o lançamento do livro ‘Portal da Memória: a poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade’, das autoras Maria Tereza Dantas Moura e Rita Lages Rodrigues, na sexta-feira, dia 2 de junho de 2023, das 18h30 às 20h. O exemplar, que leva o título da escultura do artista na Lagoa da Pampulha, ressalta o papel da obra no resgate às raízes afro-brasileiras e na manutenção do patrimônio cultural de BH. Criada para proteger a imagem de Iemanjá, escultura provoca reflexões sobre patrimônio, diáspora, religiosidade, liberdade e formação social. A entrada é gratuita, com classificação livre.

A famosa escultura de Iemanjá localizada na Lagoa da Pampulha desde 1982 sofreu muita depredação ao longo dos anos. Em 2007, ‘Portal da Memória’, obra do artista mineiro Jorge dos Anjos, resolveu o problema ao proteger com uma moldura de ferro a escultura de Iemanjá, ao mesmo tempo em que abriu uma multiplicidade de reflexões sobre a história da cultura de raízes africanas que permeiam a formação de toda a capital mineira.

Em uma homenagem a esse processo e à trajetória desse importante artista ouro-pretano, o livro ‘Portal da Memória: a poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade’ será apresentado por intermédio de uma mesa de debate com Carolina Ruoso, Flávio Vignoli, Jorge dos Anjos, Maria Tereza Dantas Moura, Regina Helena Alves da Silva e Rita Lages Rodrigues. Na ocasião serão distribuídos exemplares do livro recém-lançado.

Jorge dos Anjos tem muitas obras que reverenciam a cultura afro-brasileira e conversam com os espaços públicos de Belo Horizonte, mas, certamente, ‘Portal da Memória’ pode ser considerada sua criação mais emblemática na cidade. A imensa escultura de ferro oxidado, marcada por desenhos de símbolos religiosos das matrizes afro-brasileiras, não apenas protege a estátua de bronze de Iemanjá — removida para um pedestal sob a água evitando o contato do público com a peça após a instalação do portal na orla — mas apresenta literalmente um convite para reparar outros belos horizontes, neste caso, construídos a partir de um enquadramento de ferro rígido, de presença imponente, que pode simbolizar o olhar da população negra, suas vivências, lembranças e culturas não raras, muitas vezes amordaçadas e negadas.

Por isso a Pampulha é tão simbólica. Criada para ser o cartão postal da modernidade de Belo Horizonte na década de 1940, com obras de Oscar Niemeyer e jardins de Burle Marx, a orla da Lagoa da Pampulha, cercada pela Casa do Baile e pelo Iate Tênis Clube, durante muito tempo se manteve como espaço restrito à elite e, consequentemente, negado às pessoas pretas. Nesse sentido, o ‘Portal da Memória’ foi criado como uma espécie de reparação histórica simbólica e uma lembrança viva aos visitantes de que a cidade e suas belezas não estão determinadas pelo estereótipo burguês do homem branco, ao contrário, são essencialmente resultado da multiplicidade de seu povo, incluindo uma população escravizada por mais de três séculos da história registrada, e empurrada para a margem das periferias brasileiras na chamada “modernidade democrática”.

É contra o apagamento do passado da população preta e o silenciamento contemporâneo das raízes afro-brasileiras que a obra de Jorge dos Anjos ganha força e sentido concreto. “O Portal da Memória é uma das esculturas mais significativas que tenho em BH, em um lugar importante, a Lagoa da Pampulha, em diálogo essencial com a água. Na África, antes de entrar no navio negreiro, costumavam vedar os escravos e andavam em círculo com eles envolta de uma árvore, que era chamada árvore do esquecimento. Nesse sentido, nessa obra, a água é memória. É como se, ao atravessar o portal, você fosse se lembrando da sua história, sua existência, é uma maneira simbólica de afirmar isso”, explica o artista. “Desenvolvo meu trabalho pensando nas raízes africanas. E sei que a minha arte, a escultura, acaba sendo consumida por pessoas mais ricas. Por isso, é importante a obra estar em um espaço público, de acesso a todos. Acredito que o lugar público é a vocação da escultura”, complementa Jorge.

O livro

Realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte (LMIC-BH), o livro é resultado da pesquisa desenvolvida por Maria Tereza Dantas Moura, conservadora-restauradora e mestre em Patrimônio Cultural pela UFMG, e Rita Lages Rodrigues, historiadora e professora de História e Teoria da Arte da Escola de Belas Artes da UFMG. “Na iniciação científica, a professora Rita Lages me pediu para escolher um monumento urbano para pesquisar e não tive dúvida de que seria o Portal da Memória. A escolha não se deu só pela beleza da escultura, das linhas construtivistas, da geometria sensível, mas pelos múltiplos significados que a obra apresenta para a comunidade e das possibilidades de desenvolvimento da pesquisa na área da preservação do patrimônio”, afirma Maria Tereza Dantas Moura.

A pesquisadora conta que a ideia do livro surgiu como um desdobramento da pesquisa, que foi avolumando textos reflexivos sobre as temáticas que atravessam a obra do escultor mineiro. “Quando vimos a quantidade de artigos que escrevemos sobre a temática, resolvemos apresentar o projeto do livro à LMIC. O Jorge recebeu muito bem a iniciativa, fez as ilustrações e concedeu uma entrevista para a publicação. Convidamos o Flávio Vignoli, que já havia trabalhado com o Jorge no projeto Aya Árvore da Vida, no Centro de Referência das Juventudes, para fazer o projeto gráfico”, relembra.

Assim, a publicação reúne textos que surgem da robustez de uma pesquisa acadêmica, mas que parecem convidar o leitor, com linguagem fluida e acessível, a uma boa prosa sobre o patrimônio cultural, a paisagem cotidiana, as diferenças sociais na formação da cidade, a representatividade de Iemanjá dentro de um Brasil majoritariamente negro. “O trabalho ainda é delineado pela arte de Jorge dos Anjos e pelos distintos significados que ele alcança com suas esculturas, além de trazer uma qualidade estética muito forte e diversas fotos em preto e branco que costuram os textos. Ficamos muito satisfeitas com o resultado”, finaliza Maria Tereza.

Jorge dos Anjos

Natural de Ouro Preto (MG), Jorge dos Anjos é artista plástico formado pela Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), tendo assimilado técnicas e perspectivas com os professores-artistas Nuno Mello, Ana Amélia e Amilcar de Castro. O trabalho de Jorge dos Anjos é nacionalmente e internacionalmente reconhecido pelas originais esculturas produzidas principalmente em chapas de ferro oxidado, mas também em pedra sabão e madeira. Sua arte é marcada por reverências e resgates da cultura africana, caracterizada por dobras, recortes e inclinações improváveis da estrutura rígida, desafiando a natureza principalmente do metal, característica que rendeu a sua obra a alcunha “balé de silhuetas”.

Jorge dos Anjos realizou exposições por todo o país, incluindo obras no Museu de Arte Moderna de São Paulo (SP); na Galeria do Banco Central, em Brasília (DF); e no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto (MG); além de incursões pelo exterior, tendo ocupado a Galeria Souza Edelstein, em Nova Iorque, nos Estados Unidos; e uma galeria do Shopping Colombo, em Lisboa, Portugal. Em Belo Horizonte, além do Portal da Memória, instalado na Lagoa da Pampulha, Jorge dos Anjos também assina outra importante obra para a memória afro-brasileira, o monumento Zumbi Liberdade e Resistência — 300 anos, situado na Avenida Brasil.

‘Portal da Memória: a poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade’
Mesa de debate com Carolina Ruoso, Flávio Vignoli, Jorge dos Anjos, Maria Tereza Dantas Moura, Regina Helena Alves da Silva e Rita Lages Rodrigues
Lançamento: sexta-feira | 02 de junho de 2023 | das 18h30 às 20h
Auditório do Centro Cultural UFMG
Classificação indicativa: livre
Entrada gratuita

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