Uma história das formas de contar a passagem do tempo
04 de julho de 2023
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Não é exatamente um consenso, mas há aproximadamente cinquenta mil anos os seres humanos começaram a se expandir, povoando o planeta. Na época eles eram nômades, isto é, viajantes sem moradia fixa que passavam seus dias peregrinando, caçando e coletando o que encontrassem para se alimentar. Se tivessem sorte encontrariam abrigos quentes, comida, água e segurança.
Como todos os animais, eles interpretavam o tempo através dos sinais que a natureza dava. Por muitas eras bastava acompanhar o Sol, as estrelas e o próprio planeta para perceber e acompanhar o passar dos dias e a mudança das estações.
Mesmo assim, os dias não eram chamados de dias; não haviam semanas, meses, anos, muito menos minutos ou segundos. Não haviam horários, calendários, prazos e ninguém estava fora de hora pois, bom, não haviam horas.
Foi só quando alguns pequenos grupos desses humanos nômades começaram a se fixar na beira de rios para produzir alimentos – formando os primeiros vilarejos – que começou a surgir a necessidade de olhar para o tempo com um pouco mais de atenção. Não bastava apenas saber se estava claro ou escuro, era preciso conhecer os momentos certos para plantar, colher, viajar, até mesmo caçar. Saber antecipar os momentos de economia dos recursos para um inverno rigoroso poderia significar a sobrevivência dos grupos.
Talvez por isso, ou talvez por inventividade e acaso, alguns desses povos que se fixaram às margens dos rios Tigre e Eufrates pensaram algumas formas de registrar e também contar o tempo que passava.
Esses povos eram os Sumérios. Se você lembra das aulas de história ou se acompanha o nosso museu há um tempo, deve se recordar que não apenas os sumérios formaram a primeira grande civilização da humanidade, como também foram os responsáveis por criar o código de escrita mais antigo que encontramos, a escrita cuneiforme. Você pode ler um pouco mais sobre essa história aqui, mas hoje, conheceremos outra de suas grandes invenções, um calendário.
É importante frisar que o calendário mais antigo que nós conhecemos tem origem no ano 2.637 a.C. no antigo Império Chinês, introduzido pelo imperador Huang Di.
Os dois calendários possuem várias semelhanças, inclusive na forma de contar seus dias, mas não sabemos se houve de fato alguma influência, uma troca cultural através de viajantes e comerciantes ou se foi aquela história de pessoas diferentes que têm a mesma ideia ao mesmo tempo.
Ilustração de calendário Chinês (Créditos: Reprodução/Blog de História)
O calendário oriental era lunissolar, o que significa que era baseado nas posições aparentes tanto do Sol, quanto da Lua. Seus anos são contados em 12 ciclos lunares de 29 ou 30 dias, o que resulta em anos de aproximadamente 353 dias e, de três em três anos, um mês adicional é contado para ajustar o calendário à rotação solar. Além dos ciclos lunares, o calendário marca ciclos de 12 anos, cada um representado por um animal sagrado que carrega suas características, bênçãos e tradições. Atualmente o calendário civil chinês é o mesmo que o nosso, baseado no modelo gregoriano, porém, o registro tradicional ainda é utilizado para marcar as celebrações e festividades do povo chinês.
Mas, voltando para o Mediterrâneo e para os Sumérios, evidências arqueológicas destacaram que esses povos desenvolveram um calendário baseado na observação lunar, com 12 ciclos lunares que alternavam entre 29 e 30 dias. Esse tipo de marcação temporal encontrava na dissincronia com as estações do ano a sua principal falha e, de tempos em tempos, um novo mês precisava ser adicionado para “compensar” essa falha de cálculo.
Avançando um pouco no tempo, nós encontramos o calendário egípcio, que ao contrário dos seus vizinhos mesopotâmicos, era baseado em observações solares. Seus calendários eram formados por 12 ciclos de 30 dias, resultando em anos de 360 dias. Junto de seus calendários, eles também foram pioneiros na cronometragem das horas, através, principalmente, dos relógios solares. Esses instrumentos funcionavam quando a luz solar projetava uma sombra sobre uma tabuleta dividida em 12 períodos mais ou menos iguais de tempo.
Relógio solar (Créditos : Reprodução/Segredos do Mundo)
Medir o tempo de forma mais precisa, não apenas separando os dias, mas também em períodos menores e mais específicos, foi extremamente importante para atrelar o tempo à uma lógica produtiva e logística.
Apesar de eficientes, a limitação dos relógios egípcios era óbvia, afinal, se estivesse nublado ou quando a noite chegasse, sua funcionalidade desapareceria. Então, quando não havia luz solar, esses povos costumavam usar as estrelas para se orientar e também para controlar a passagem de tempo. Assim, olhando para as suas constelações eles podiam apontar quanto tempo faltava para o amanhecer.
A forma encontrada para contornar essa restrição foram as clepsidras: mecanismos semelhantes à ampulhetas – que viriam um pouco mais tarde – que registravam o tempo a partir do escoamento de um recipiente de água com marcações em suas paredes. Indícios apontam que esse equipamento foi desenvolvido aproximadamente no ano de 1.400 a.C.
Clepsidras, relógios d’água (Créditos: Reprodução/Curiosfera)
As ampulhetas funcionam de forma bastante parecida, mas ao invés de água, o material que escorria era areia. Dependendo do quão grandes são os funis, a quantidade de areia e também a espessura do canal por onde ela passa, uma ampulheta podia marcar diferentes períodos de tempo. Uma evidência de sua utilidade é sua presença fortíssima nas Grandes Navegações, quando ampulhetas eram usadas para controlar o tempo das viagens.
Com tantas possibilidades de marcadores de tempo espalhados pelo mundo, muitos tentaram aprimorar esses sistemas. Uma dessas tentativas foi feita por um matemático de Alexandria que desenvolveu o que pode ser considerado como um dos primeiros relógios mecânicos do mundo. Há também o relógio de Yi Xing, um monge budista que desenvolveu uma máquina que contava 24 horas a partir de um sistema de queda d’água, cordas, encanamentos, baldes e engrenagens.
Representação do Relógio de Yi Xing, construído aproximadamente em 745 D.C. (Créditos: Reprodução/ScienceFocus)
Mas foram as igrejas católicas que consensualmente começaram a usar largamente os relógios mecânicos. Baseados nas ideias desenvolvidas por Galileu Galilei sobre a frequência do movimento de pêndulos e também nas invenções do matemático neerlandês, Christiaan Huygens, os primeiros relógios pendulares foram construídos nas igrejas da Europa por volta dos anos 1.300.
Pouco depois disso, por volta do século 16, o então Papa, Gregório XIII propôs um novo calendário, para corrigir as imprecisões do modelo Juliano, que vigorava até então e tinha aqueles problemas de dissincronia entre os dias e as estações. O novo calendário definiu que os anos teriam 365 dias e seis horas e 366 dias em anos bissestos; além disso os meses seriam divididos em períodos que podem ir de 28 a 31 dias.
Relógio Astronômico de Praga – República Tcheca (Créditos: Reprodução/Ensinar História)
Por conta de práticas expansionistas de países europeus, tanto o calendário gregoriano quanto os relógios mecânicos se popularizaram ao redor de todo o planeta. Atualmente, inclusive, a maior parte dos países do mundo inteiro usa o sistema gregoriano.
Como sentimos o tempo?
Pelo bem ou pelo mal, cada mecanismo que inventamos com esse fim chegava mais perto da exatidão. E olhar para o tempo com tanta precisão transformou fundamentalmente a forma como nós interagimos com ele. Com a Revolução Industrial, não demorou para que nos tornássemos servos de relógios, alarmes, honorários e prazos cada vez mais apertados. Nos desprendemos muito rapidamente dos ciclos que a natureza oferece e passamos a obedecer uma lógica própria, onde acordamos, comemos, dormimos, socializamos, trabalhamos e existimos no intervalo de um minuto e outro.
Por todo o mundo, o pêndulo foi logo substituído por pequenos cristais de quartzo que, uma vez eletrificados, vibram em uma frequência constante e previsível. Atualmente, a maior parte dos relógios do planeta é movida por esses minerais que movimentam as engrenagens e os ponteiros.
Os relógios se tornaram menores, portáteis, cabendo em nossos bolsos ou indo parar em nossos pulsos e se multiplicando rapidamente. Em poucos anos, o tempo havia chegado para todo o planeta. Por muito tempo, inclusive, todos esses relógios não eram sincronizados, gerando vários problemas logísticos de transporte, como atrasos, falhas, e outras confusões que hoje nos parecem divertidas. Foi preciso um encontro internacional dos líderes das maiores potências para definir a “hora certa” no mundo, mas isso é história para outro texto.
Atualmente, relógios atômicos registram oscilações de energia em átomos de césio. Para essa medida, um segundo equivale a 9.192.631.770 oscilações, o que torna a medida não apenas muito precisa, mas também nos permite considerar eventos microscópicos que acontecem em um instante infinitesimal de segundo. Nossos celulares, aparelhos e os relógios oficiais de todo o mundo são sincronizados nesses medidores de tempo atômico. E quem sabe qual será a próxima etapa?
Podemos não viajar pelo tempo, mas com certeza, graças aos relógios, podemos observá-lo com muito mais atenção.
Já que estamos falando sobre tempo e calendários, você sabia que o Espaço do Conhecimento UFMG possui um Calendário Astronômico que separa os principais acontecimentos astronômicos de todos os dias do mês? Bom, fica o aviso de que muito em breve ele estará com cara nova, novas informações e jogos que vão do solstício de inverno de 2023 até 2024! Fiquem atentos aqui no blog e também em nossas redes sociais para o lançamento!
[Texto de autoria de Gabriel Barcelos, Bolsista de Som do Espaço do Conhecimento UFMG]
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