(Foto em destaque: da esquerda para a direita, Nelson Pretto, Luciano Mendes, Ronaldo Linhares e Marta Avancini. Raíssa Cesar / UFMG)

“Educadores e cientistas devem agir como hackers, povoar a web e outros veículos com narrativas diferentes, para fazer frente ao rolo compressor da grande mídia”, afirmou hoje (segunda, 17) o professor Nelson Pretto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na mesa-redonda sobre Educação, comunicação e espaço público. Segundo ele, a internet abre enormes possibilidades e constitui um novo campo de disputa para indivíduos e associações engajados nas transformações sociais.

Nelson Pretto defendeu que o educador, como liderança comunitária e intelectual, deve trabalhar como ativista na relação com os meios de comunicação, explorando as brechas das estruturas hegemônicas, inspirados nas chamadas mídias ninjas. Na mesa, ele teve a companhia de Ronaldo Linhares, professor da Universidade Tiradentes (Unit), de Sergipe, da jornalista Marta Avancini, vinculada à Unicamp, e do professor da UFMG Luciano Mendes, que coordenou o debate.

Nelson Pretto: corporações pressionam legisladores. Raíssa Cesar / UFMG

O professor da UFBA denunciou a concentração de plataformas de comunicação e a predominância dos interesses econômicos e de corporações transnacionais que exercem pressões sobre governos e legisladores. “Os conglomerados empresariais têm feito ações concretas para gerir a educação no país, patrocinando projetos de reformas e políticas neoliberais”, disse Pretto, mencionando a influência de “interesses conservadores” em assuntos como Base Nacional Comum Curricular.

Ele ressaltou que os educadores estão ausentes da grande mídia e também usam de forma incipiente as redes sociais. “A educação é tratada pelos reformadores, que são as fontes únicas para as matérias, em detrimento dos pesquisadores”, afirmou Nelson Pretto, que destacou o trabalho feito por blogs e portais como Avaliação educacional, de Luiz Carlos Freitas, Pensar a Educação, Pensar o Brasil, ligado a grupo de pesquisa da UFMG.

Letramento multimidiático
Ronaldo Linhares mencionou pensadores como Paulo Freire e Michel Sèrres para introduzir a abordagem da relação entre educação e comunicação. Destacou que o processo comunicacional é um primeiro passo para uma educação eficiente, seja formal ou informal, e apresentou uma breve história dessa relação, lembrando os usos do rádio, do cinema e da televisão para funs educativos.

Ronaldo Linhares: informação transformada em espetáculo. Raíssa Cesar / UFMG

“As novas mídias, desde a televisão, eliminaram marcadores espaço-temporais ou rituais que definiam a relação das pessoas com o teatro e até com o cinema. E isso provocou uma mistura de realidade e fantasia, mesmo no telejornalismo, que transforma a informação em espetáculo”, disse o coordenador do Núcleo Criatividade, Inovação e Tecnologias na Educação Básica, da Unit.

Linhares criticou o afastamento dos professores de campos como as artes para se tornarem conteudistas e pregou o letramento multimidiático como forma de ampliar a cidadania. “O trabalho do nosso Núcleo tem promovido, entre estudantes, o desenvolvimento de competências na área da produção audiovisual, incluindo rádio, animação e games”, contou o professor, que relatou um caso de sucesso: alunos de uma escola agrícola lançaram mão desses recursos para recuperar a imagem da instituição, que vivia uma crise e voltou a receber novos alunos.

Desafios à criatividade
A jornalista Marta Avancini recordou tempos em que intelectuais escreviam sobre educação nos jornais (anos 1930 e 40) e em que algumas dessas publicações mantinham editorias dedicadas ao tema, antes de citar estudo acadêmico que informa que a mídia tradicional aborda apenas tangencialmente a educação e que praticamente ignora assuntos como gênero e educação de jovens e adultos.

Marta Avancini: boas práticas escolares não são exceção. Raíssa Cesar / UFMG

Segundo Marta, que tem duas décadas de experiência na área e hoje orienta repórteres em pautas sobre educação – como integrante da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) –, os profissionais não têm capacitação específica e não contam com o interesse dos editores. Ela citou ainda, como dificultadores do trabalho dos repórteres, a concentração da informação e o difícil acesso dos jornalistas a escolas e professores, que, muitas vezes, não têm liberdade de se expressar publicamente.

“Os jornalistas devem usar esses obstáculos como desafios à criatividade. É preciso procurar novas fontes, buscar o aprofundamento nas questões importantes e reconhecer que as boas práticas escolares não são exceção”, disse Marta Avancini. Ela destacou o trabalho desenvolvido pela Jeduca, que produz material de referência, promove webinars, mantém uma rede de discussão on-line e atua em faculdades de jornalismo.

Ao comentar as participações dos debatedores, Luciano Mendes afirmou que o fim das editorias dedicadas e a distância dos jornalistas com relação à educação podem estar associados ao afastamento da escola pública por parte das camadas médias da população. “Além disso, nas escolas de Comunicação, educação não é um problema e há pouca interface com as faculdades de Educação”, disse Mendes. Ele acrescentou que um certo desinteresse dos professores das universidades pelo debate público tem a ver, entre outros fatores, com o fato de que a pesquisa captura, cada vez mais, os docentes, em busca de reconhecimento acadêmico.