(Nelson Monteiro Vaz: o foco é saber o que se conserva naquilo que muda. Foto: Carol Prado / UFMG)

“Não sabemos inventar vacinas e não entendemos como elas funcionam. De Pasteur até hoje, as vacinas foram criadas pelo método da experiência e do erro, e nós as usamos porque elas cumprem sua função, e não porque entendemos como”, afirmou hoje, em mesa-redonda, o imunologista e professor emérito da UFMG Nelson Monteiro Vaz. Ele salientou que as pessoas têm muita necessidade de entender as coisas, “e isso não é tão importante”.

O professor aposentado do Instituto de Ciências Biológicas participou da conversa sobre Diversidade, emoções, ancestralidade e transformações, com a geóloga e arte-educadora Angela Maria Pimenta, da USP, e o historiador e especialista em patrimônio Fabio Adriano Hering, da Ufop.

Segundo Vaz, o foco não deve estar em saber profundamente sobre o reconhecimento de corpos estranhos ao organismo e sobre memória imunológica, por exemplo, mas sobre “o que o corpo é, o que fica conservado, o que se conserva naquilo que muda”. Mais importante que o esquema da resposta imune é a “visão baseada em compensar perturbações”.

Ele disse que há duas maneiras de lidar com a tolerância infecciosa: enfrentar os patógenos ou conviver com eles, como fazem as plantas e também os humanos. “Estamos imersos em poças de micróbios, e doenças infecciosas são, afinal, excepcionais”, destacou Nelson Vaz, acrescentando que o grande caso de sucesso na imunologia é a sorologia, que trata e utiliza os anticorpos como reagentes bioquímicos específicos e cria testes capazes de detectar doenças com muita eficiência.

Interação e equilíbrio
Angela Pimenta exibiu uma pintura indígena para mostrar como as culturas tradicionais se enxergam. A arte, segundo ela, reflete a relação com a natureza e com os outros seres marcada pela integração. “Esses povos não precisam dominar a natureza, vivem processos cíclicos de sobrevivência, que envolvem a caça, a alimentação, a higiene. E estão essencialmente ligados a seus rituais”, disse a pesquisadora, que denunciou o “retrocesso” representado por decisão recente que admite mudanças na demarcação de terras indígenas em benefício de atividades de mineração.

Angela Pimenta: experiência com comunidades rurais e povos da floresta. Foto: Carol Prado / UFMG

 

Com a experiência de quem já acompanhou comunidades rurais e povos da floresta ameaçados em locais como Ouro Preto e Rondônia, Angela Pimenta disse que esses povos têm o seu tempo, necessário e produtivo, mas que, muitas vezes, não conseguem fugir a processos de destruição. “Não há possibilidade de pensar de forma diferente, as decisões são tomadas de forma vertical, submetidas ao poder do capital.”

A professora da USP ilustrou sua participação na mesa com a leitura de um poema de ancião de comunidade quilombola e com a exibição de filme sobre atividades com populações de rua e pessoas com sofrimento mental durante o Festival Amálgama Brasis, da Universidade Popular de Arte e Ciência (Upac), em Franca (SP).

Referência no cotidiano
Ao abordar patrimônio, o professor Fabio Hering comentou que a política sobre bens culturais no Brasil, nos últimos dois anos, representa ameaça a conquistas das últimas décadas, quando referências culturais com base no cotidiano e também na realidade de povos tradicionais passaram a ser valorizadas. “A ideia de patrimônio imaterial e o papel social do patrimônio e dos museus ganhou relevância”, disse Hering.

Fabio Hering: ameaças à noção de patrimônio com função social. Foto: Foca Lisboa / UFMG

Ao longo do século 20, até a década de 1980, segundo o historiador, funcionou uma “máquina patrimonial” que reproduz a si mesma e estabelece senso de pertencimento estético de um grupo social ou de um projeto político. “Esse modelo é do Estado Novo, que nacionalizou o patrimônio. Na década de 30, o nacionalismo deixou de ser retórico para se transformar em um nacionalismo de Estado”, afirmou Hering.

A noção de patrimônio, segundo o pesquisador, é fundada em três momentos: o Renascimento, a Revolução Francesa e a sociedade da informação. O Renascimento estabeleceu o processo de celebração e atribuição de sentido ao passado, com o objetivo de também gerir o futuro; a Revolução Francesa criou o cidadão das sociedades nacionais modernas e ressignificou monumentos, como palácios e pontes de Paris; a sociedade da informação, por sua vez, estreitou, por meio da tecnologia e de forma peculiar, a relação do indivíduo com o patrimônio.