(Trânsito em São Paulo. Foto: EBC)

O Brasil precisa de mudanças radicais e profundas, e uma boa ideia é começar pelas cidades, já que é mais fácil reunir as pessoas com um objetivo próximo e comum, afirmou o professor Eduardo Moreira da Costa, da Universidade Federal de Santa Catarina. Diretor do LabCHIS, laboratório sediado em Florianópolis e no Rio de Janeiro, dedicado à pesquisa sobre “cidades mais humanas, inteligentes e sustentáveis”, Moreira da Costa abusou de imagens curiosas para transmitir suas ideias, aliando o humor e a denúncia do absurdo de que está repleto o dia a dia nas metrópoles brasileiras.

“Há muitos equívocos no planejamento das cidades, e as administrações medem o grau de inteligência urbana pelo número de câmeras, sensores, softwares e mensagens que o prefeito recebe dos moradores, mas não responde”, disse o pesquisador. “Essas tecnologias têm sua utilidade, mas elas só indicam o problema, não o resolvem.”

Eduardo Moreira da Costa integra o grupo de especialistas que trouxe para o Brasil um modelo concebido na Europa de cidade inteligente e humana, em que o foco da tecnologia é melhorar a vida das pessoas. Um dos conceitos que regem esse modelo é a conveniência de morar, trabalhar e se divertir na mesma região da cidade. Uma das inspirações são as vilas medievais, que se localizavam em raio de uma milha e que serviram de norte também para a reforma urbana de Paris, no século 19.

“O ideal é que as pessoas possam se deslocar a pé ou de bicicleta, mas, para isso, é preciso que as calçadas sejam mais largas, niveladas e menos impedidas. No caso da bicicleta, não basta pintar faixas no asfalto, é preciso que funcione um sistema complexo para viabilizar sua utilização”, afirmou Moreira da Costa, que é consultor de entidades internacionais como o BID e a Unctad, da ONU.

Exemplo de pesquisador que vive o que recomenda, Moreira da Costa não usa automóvel, embora deixe claro que o problema não é ter carros, mas usá-los cotidianamente para trabalhar. “Está claro que não deu certo essa história de sair todo mundo para a rua, de carro, para trabalhar das nove às seis. Em São Paulo, são licenciados, a cada dia, 800 carros. Estamos chegando ao ponto em que ficaremos engarrafados nas garagens dos prédios”, brincou o conferencista, lembrando que, contrariando o senso comum, os europeus possuem mais automóveis per capita que os americanos, mas usam seus carros para lazer e se deslocam para o trabalho em transporte público.

Moreira da Costa: planejamento das cidades exige conhecer os interesses da população. Foto: Foca Lisboa / UFMG

‘Pergunte às crianças’

Eduardo Moreira da Costa defendeu que é fundamental, para planejar mudanças nas cidades, conhecer os desejos, os interesses e as necessidades da população. “São muito comuns as audiências públicas para acertar com os moradores os detalhes finais de um projeto, que foi elaborado sem participação da comunidade”, comentou o professor da UFSC, antes de sugerir também que se pergunte às crianças o que elas pensam. “O que é bom para as crianças certamente é bom para todo mundo.”

As pesquisas do LabCHIS têm concluído, segundo seu diretor, que o trabalho feito por bairros tende a funcionar melhor e que uma estratégia eficiente é resgatar narrativas dos moradores, garantindo o vínculo das intervenções com a história de determinada região.

Quando recorreu a exemplos para falar da recuperação de áreas urbanas, Eduardo Moreira da Costa destacou o parque High Line, em Nova York, construído sobre uma estrada de ferro desativada há décadas. “É um caso de sucesso impressionante, o bairro mudou radicalmente, e o parque recebe cinco milhões de visitantes por ano. E a ideia surgiu de uma conversa entre dois arquitetos que não se conheciam”, contou o engenheiro, que fez mestrado em Ciência da Computação na UFMG e doutorado na Universidade de Southampton, no Reino Unido.

Em resposta a questões da plateia, Moreira da Costa concordou com a tese de que reformas urbanas devem garantir moradia próxima para cidadãos desalojados pelas obras e alertou para o perigo de cidades de pequeno porte apostarem todas as suas fichas em sediar uma ou duas fábricas, já que a tendência é a redução drástica da geração de empregos no setor industrial. Estimulado a voltar ao tema dos automóveis, ele afirmou ter a impressão de que os jovens de hoje já não têm tanta fixação no carro como sonho de consumo. “Há esperança”, disse o pesquisador, com um sorriso entre aliviado e irônico.

Frequentadores do Parque High Line, construído em Nova York sobre uma estrada de ferro. Foto: Jim Henderson / Wikimedia Commons, 2014