A menos que o problema seja combatido com urgência, a desigualdade vai transformar a meta de desenvolvimento global de “não deixar ninguém para trás” em um slogan vazio. A afirmação, que consta do Relatório Mundial das Ciências Sociais 2016, é a escolhida pelo canadense Mathieu Denis [foto abaixo de seu acervo pessoal], diretor executivo do Conselho Internacional de Ciências Sociais (CISS), para fechar seu depoimento, enviado por e-mail, acerca da sessão especial da Reunião da SBPC sobre enfrentamento da desigualdade em âmbito mundial.

As questões apresentadas no relatório serão discutidas durante a mesa-redonda Confrontando a desigualdade: caminhos para um mundo mais justo, que será realizada na quarta-feira, 19, das 13h às 15h, no auditório A104 do Centro de Atividades Didáticas 2. O debate vai reunir, além de Mathieu Denis, a professora da UFRJ Elisa Pereira Reis, vice-presidente para assuntos científicos da CISS, e o professor do Insper Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e um dos mais respeitados especialistas em desigualdade no Brasil.

Sempre fazendo referência ao documento, publicado em parceria com a Unesco, Mathieu Denis destaca que a desigualdade nunca teve prioridade tão alta nas agendas dos formuladores de políticas mundo afora e nas pesquisas em ciências sociais. “Também nunca se escreveu tantos artigos a respeito do tema”, afirma Denis.

Respostas transformadoras
O documento intitulado Challenging inequalities: pathways to a just world contou com a contribuição de mais de 100 cientistas sociais e pensadores de todos os continentes, de disciplinas diversas, que sugerem respostas transformadoras para o problema da desigualdade, contemplando desde as questões mais básicas até os problemas de governança global.

O relatório conclui, por exemplo, que a iniquidade, em suas diversas formas, ameaça a sustentabilidade econômica, social e comunitária e que não deve ser considerada apenas em termos de renda e riqueza, mas também sob os aspectos político, ambiental, cultural, espacial e de produção do conhecimento. Os autores do documento destacam ainda que as interseções entre as desigualdades devem ser mais bem compreendidas e que é preciso investir em pesquisa interdisciplinar, em múltiplas escalas, que inclua instituições de todas as regiões do globo.

Balanço da pesquisa
A professora Elisa Reis [na foto abaixo, de seu acervo pessoal], do Departamento de Sociologia da UFRJ, enfatiza que o relatório faz um balanço da pesquisa produzida em todo o mundo sobre a desigualdade e enumera os possíveis usos desse arsenal para o encaminhamento de soluções. Ela chama a atenção também para a desigualdade relacionada à produção intelectual.

 

“Mais de 80% das publicações acadêmicas sobre o tema são produzidas pelo Norte global. No processo de elaboração do relatório do CISS, fizemos um grande esforço para envolver estudiosos do Sul global, e, ainda assim, a participação desse grupo é significativamente menor. Isso quer dizer que o Sul global não participa do diálogo com a intensidade devida”, diz a pesquisadora, que é membro da Academia Brasileira de Ciências.

Uma novidade importante do relatório Challenging inequalities, de acordo com Elisa Reis, é que ele ilumina a chamada desigualdade interativa, caracterizada pelo reforço mútuo de fatores variados como gênero e cor. Os fatores nunca são segmentados, eles atuam uns sobre os outros”, diz a socióloga e cientista política graduada na UFMG e doutora pelo Massachusetts Institute of Technology (EUA).

Formas diversas
Elisa comenta que a análise dos efeitos interativos ganha importância em um estudo sobre desigualdade que evita o foco na questão da renda. Essa abordagem gera perda de informação, segundo ela, uma vez que muita gente, sobretudo nos países mais pobres, está fora do mercado de trabalho. “Desse modo, as estimativas são falhas. Da China, por exemplo, chegam dados parciais, porque uma enorme parcela da população vive de atividades rurais”, lembra a professora.

O documento produzido pelo Conselho Internacional de Ciências Sociais mostra que a desigualdade aparece na forma de fenômenos diversos e detalha situações como as da China, Rússia, África, dos países árabes e do Brasil. A parte dedicada ao Brasil resulta de estudo coordenado por Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília.

De acordo com Elisa Reis, em diferentes momentos do relatório, os autores chamam a atenção para casos de sucesso quando se trata de redução de desigualdade. “O caso brasileiro é mencionado, ao lado de alguns outros países latino-americanos, como exemplo de queda significativa, sobretudo na primeira década do século 21, período em que no resto do mundo a tendência foi de crescimento da desigualdade”, afirma a vice-presidente de assuntos científicos da CISS. “Infelizmente, o Brasil é marcado por uma grande volatilidade. Economia e humor da população mudam com muita frequência. Nós, cientistas sociais, de nosso lado, não podemos ceder à desesperança, precisamos acreditar e apostar numa realidade melhor.”