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Nº 1312 - Ano 27 - 04.04.2001

O caminho da consagração

Dissertação da Fale revela como o Vestibular canoniza autores e obras literárias

e fosse um jogo, a indicação de obras para o Vestibular da UFMG apresentaria um placar cheio de desigualdades: Machado de Assis - 18; José de Alencar - 10; Graciliano Ramos - 8; Clarice Lispector - 5; Cecília Meireles - 4. Os números indicam as vezes em que esses autores já constaram na lista de obras do concurso promovido pela Universidade. Eles não foram escolhidos por acaso. Dissertação defendida pela aluna de pós-graduação Leni Nobre, da Faculdade de Letras, tenta desvendar a lógica de escolha dos livros e os processos pelos quais o Vestibular mantém as obras vivas no cotidiano dos leitores.

O Vestibular da UFMG pauta-se por obras clássicas, mas também possibilita a valorização de livros de autores menos conhecidos. Para chegar a essa e outras conclusões, Leni Nobre catalogou 175 obras indicadas. Ela levou em conta algumas variáveis, como o número de vezes que determinada publicação foi indicada, o perfil de autores e gêneros literários privilegiados pela Universidade, os percentuais de obras de autorias feminina e masculina. A partir desse levantamento, ela discute o processo de canonização das produções literárias.

Nos últimos 30 anos, o Vestibular fez 175 indicações de leitura para a sua prova de Literatura, abrangendo 128 obras diferentes. Foram 83 autores: 71 homens (112 obras distintas) e 12 mulheres (16 obras distintas). Memórias Póstumas de Brás Cubas esteve na lista cinco vezes, e o seu autor, Machado de Assis, é campeão no número de obras indicadas e repetidas. Esses dados revelam um pouco do padrão literário adotado pela Universidade: o gênero romance e os autores clássicos, principalmente do sexo masculino, parecem ser os preferidos.

Leni Nobre adverte, porém, que a Universidade considera outros aspectos, como o apuro da linguagem, a importância da obra no cenário cultural brasileiro e sua representatividade para os estudos apontados no manual do candidato. "Mas a questão fundamental reside no fato de a Universidade pôr, lado a lado, obras consagrados e outras menos canônicas ou não-canônicas", explica. Um exemplo disso é a presença, na lista do concurso de 2001, de Macunaíma, clássico de Mário de Andrade, e de Shenipabu Miyui, obscura narrativa da nação Kaxinawá do Acre.

Alcance

A indicação das obras menos conhecidas propicia sua leitura por mais de 70 mil pessoas, entre candidatos, familiares e professores. "Nenhuma outra instituição tem poder de mobilizar um público desse porte", afirma Leni Nobre. Ela acrescenta que, nos últimos dez anos, a tendência de indicação de obras pouco valorizadas no universo literário tem ficado mais nítida. É o caso de Quarto de despejo, de autoria de uma escritora semi-analfabeta, Carolina Maria de Jesus, que figurou na lista de 2001. O livro foi escolhido por apresentar grande força poética, segundo a equipe de Literatura da Comissão Permanente do Vestibular (Copeve).

A pesquisa revela que textos das obras consideradas menos tradicionais não passaram, necessariamente, a constar de livros didáticos do ensino médio após terem sido indicados para o Vestibular. "Ele, sozinho, não canoniza, mas proporciona a leitura e o debate, decisivos para manter a obra no cotidiano. Isso é, de certo modo, o caminho da consagração", afirma Leni Nobre.

Dissertação: O Vestibular como espaço de canonização da literatura brasileira

Autora: Leni Nobre

Orientadora: Maria Antonieta Pereira

Defesa: fevereiro, junto ao mestrado em Teoria da Literatura da Fale

 

Os cânones do Vestibular da UFMG

Autor - Indicações

Machado de Assis - 18 vezes

José de Alencar - 10 vezes

Graciliano Ramos - 8 vezes