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Nº 1316 - Ano 27 - 09.05.2001

 

Professor da FaE estuda conflitos

da Igreja com a cultura laica

Letícia Orlandi

grupo de festeiros chega com a imagem de Nossa Senhora do Rosário e não consegue devolvê-la à Paróquia. A porta está fechada, e o padre não se dignou a esperar o fim da festa e dos batuques do povo. Atitudes como essa refletem o esforço da Igreja para controlar, de um lado, as manifestações e crenças populares e, de outro, as práticas de ensino em processo de secularização imposto pelo Estado republicano brasileiro no início do século 20. Esse embate é analisado na tese de doutorado do professor João Valdir Alves de Souza, da Faculdade de Educação, defendida junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em dezembro passado.

João Valdir toma como objeto de estudo a região que abrange os municípios de Araçuaí, Minas Novas e Chapada do Norte, no Médio Jequitinhonha, que abrigaram congregações religiosas holandesas na primeira metade do século 20. De acordo com o professor, além de atuarem nos campos da saúde e da educação, essas missões desenvolviam intenso trabalho de combate ao crescimento do catolicismo popular e de suas manifestações, como a Festa do Rosário. "A doutrina católica vivia um conflito com a religiosidade popular e com as filosofias materialistas que permeavam o ideário republicano", explica João Valdir.

Segundo o professor, o Estado republicano optou pela institucionalização através do exército. Já a Igreja, vista como instituição afinada com a monarquia, ampliou seu aparato burocrático, criando dioceses e paróquias em todo o Brasil. Para manterem o controle sobre a escola oficial, onde o ensino religioso foi proibido pela constituição republicana, os religiosos fundaram colégios para formar as professoras que atuariam na rede pública.

Em outra frente de atuação - esta junto à população - a Igreja procurou substituir as lideranças populares por padres e bispos afinados com o Vaticano. João Valdir chama esse processo de romanização da cultura, que se desenvolve através da pedagogia do medo e da violência simbólica. "Os sermões e livros de catecismo pregavam punição para quem se desviava dos dogmas", afirma Valdir.

Para o professor, a maior parte da população incorporou conceitos religiosos, mas não abandonou suas crenças. "O Catolicismo é um conjunto dogmático de difícil apreensão. Precisa ser filtrado mediante as condições específicas de vida de um povo. Daí as promessas e romarias", explica o autor.

Falso abandono

Os franciscanos holandeses chegaram ao Médio Jequitinhonha em 1906 e fundaram, em Araçuaí e Teófilo Otoni, duas escolas de formação de professoras. Eles também incentivavam a criação de congregações religiosas que seguiam os preceitos do Vaticano, como Apostolado da Oração, Pias Uniões das Filhas de Maria e a Liga Católica Jesus Maria José.

Segundo João Valdir, essas atividades contrariam a opinião corrente de que a região esteve abandonada na primeira metade do século 20. As estatísticas comprovam que o Médio Jequitinhonha atraía população, enquanto outras cidades do Norte de Minas sofriam com o êxodo. Araçuaí, por exemplo, registrava 16.372 habitantes, em 1920, e passou para 23.842 moradores, em 1950.

 

A revanche de Deus

Para consolidar-se como instituição, a Igreja procurou agir como empresa moderna. "Os padres eram funcionários que atuavam de acordo com uma burocracia religiosa", afirma o professor João Valdir Alves de Souza. Segundo ele, nos anos 10 e 20 as dioceses foram criadas justamente nas cidades que depois se transformariam em pólos industriais, com o objetivo de fazer frente ao movimento sindical e a suas idéias anarquistas e comunistas. Nos anos 50 e 60, no auge da Guerra Fria e do movimento anticomunista, a Igreja criou paróquias em lugares mais remotos para se aproximar dos fiéis.

João Valdir afirma que, no início, a República e o Estado laico chegaram a ameaçar a hegemonia da Igreja. Mas depois acabaram se transformando em combustível para o crescimento da própria instituição. Numa cultura secular, lembra Valdir, é o homem - e não Deus - que dá sentido à vida. Nos momentos de crise, no entanto, a carga sobre os ombros dos indivíduos pode ficar excessivamente pesada. "As pessoas estudam Darwin e Marx, mas quando a vida se complica, fica difícil atribuir-lhe sentido. Aí a religião volta a fazer parte da existência delas. É a revanche de Deus", define o professor.

Tese: Igreja, Educação e Práticas Culturais: a mediação religiosa no processo de produção/reprodução sociocultural na região do médio Jequitinhonha mineiro

Autor: João Valdir Alves de Souza, professor do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação, da FaE

Orientadora: Marta Maria Chagas de Carvalho, da PUC/SP