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Nº 1361 - Ano 28 - 08.08.2002

 

 

Professor, até quando?

Júlio Anselmo de Souza Neto*

ntre as três atividades fundamentais da Universidade (graduação,
pesquisa e extensão), o ensino é, sem dúvida, a mais importante e sua razão de ser, já que as universidades surgiram no século 13 como instituições de ensino. Somente nos séculos 19 e 20 passaram a fazer, respectivamente, a pesquisa e a extensão. Sem o ensino, uma Universidade é apenas um centro de pesquisa e/ou empresa prestadora de serviços. Não é sem razão que o ingresso na carreira acadêmica é feito através de concurso público para professor e não para pesquisador ou extensionista.

Até a década de 1980, boa parte dos concursos para docentes era realizada para professor auxiliar de ensino. Os candidatos aprovados, geralmente jovens recém-graduados, adquiriam experiência aos poucos, num processo complementado pelo acompanhamento das aulas de professores mais experientes. Paralelamente, o jovem docente cursava a pós-graduação, quase sempre na própria UFMG, sem parar de lecionar na graduação (mais tarde, foi concedida a dispensa dos encargos didáticos aos professores pós-graduandos). O conhecimento e experiência, no magistério e na pesquisa, eram conquistados gradualmente, sem queimar etapas, e em perfeita sincronia com a ascensão na carreira. Para a maioria dos docentes, o ensino de graduação era uma preocupação constante, por vezes prioritária, independente do grau de envolvimento do docente na pesquisa e na pós-graduação.

Na década de 1980, visando consolidar a pós-graduação, elevar a titulação e a produtividade científica e criar grupos e linhas de pesquisa, alterou-se esse modelo, passando a maioria dos concursos a ser realizada para professor adjunto com doutorado. O novo modelo foi bem-sucedido, mas gerou um problema. Os aprovados são, majoritariamente, jovens recém-egressos de cursos de pós-graduação e filiados a grupos de pesquisa produtivos, o que lhes garante, antes mesmo dos 30 anos,significativa produção científica, tornando-se imbatíveis nesses concursos. No entanto, apesar da titulação e da alta produtividade, eles não possuem qualquer experiência como professores e não são motivados para a função docente, pois, mais que tudo, são pesquisadores. Para agravar, num curto período de tempo, ocorreu a entrada de muitos desses jovens de alta qualificação científica e a simultânea aposentadoria de um número expressivo de professores experientes e comprometidos com a instituição em quase todos — senão em todos — os níveis: ensino, pesquisa, extensão e administração. Assim, a ausência ou exigüidade de convívio entre essas duas gerações não permitiu que os novos professores se conscientizassem da importância do ensino da graduação e, como conseqüência, passaram a negligenciá-lo.

" A pesquisa é importante,
mas o preço de sua excelência
deve ser a queda na
qualidade do ensino de graduação? "

No Instituto de Ciências Biológicas (ICB), unidade a que pertenço, tem ocorrido algo ainda mais grave: a maioria dos concursos para professor adjunto é constituída de apenas duas etapas: a análise do currículo (produtividade científica) e a apresentação de um seminário sobre a linha de pesquisa que o candidato pretende desenvolver. Não há prova de conhecimento sobre o conteúdo da disciplina em que o candidato irá lecionar e sequer uma prova didática! Há, ainda, casos em que o aprovado, geralmente graduado em Biologia, ministra aulas de uma disciplina que desconhece, pois nunca a cursou, seja na graduação ou na pós-graduação! E o pior: a maioria desses novos "docentes" desconhece as outras disciplinas e as especificidades dos dez cursos profissionais, cujos ciclos básicos são ministrados no ICB (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Veterinária). Para complicar ainda mais, os poucos professores mais experientes, graduados nos cursos profissionais (dentistas, médicos, veterinários, etc.) e dedicados ao ensino do ciclo básico desses cursos têm se aposentado nos últimos anos.

É preciso refletir sobre esses fatos. Precisamos de bons pesquisadores, mas também de bons professores. O novo modelo adotado cumpriu bem seus objetivos (consolidou a pós-graduação e criou grupos de pesquisa, entre outros benefícios), mas agora é preciso cuidar também da formação dos professores e do ensino de graduação, em especial dos ciclos básicos dos cursos profissionais, sobretudo daqueles que vêm caindo nas avaliações do MEC.

Se a formação de um professor requer aprendizagem e leva tempo, por que não se contrata mais professores auxiliares de ensino e/ou de professores assistentes? A pesquisa é importante, mas o preço da sua excelência deve ser a queda na qualidade do ensino de graduação? Professores e alunos dos cursos profissionais devem ter obrigatoriamente o perfil de pesquisadores? Queremos formar bons profissionais (enfermeiros, médicos, dentistas, etc.) ou cientistas? Cabe aos órgãos colegiados superiores da UFMG responder a essas questões e aos colegiados dos cursos profissionais acompanhar mais de perto o ensino nos seus ciclos básicos.

A permanecer essa situação, a UFMG terá cada vez mais pesquisadores, mas professores... ninguém sabe até quando!


* Professor adjunto do departamento de Morfologia do ICB