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/Marcelo
Ridenti
A utopia guerrilheira
Maurício Guilherme Silva Jr.
studioso
do golpe militar de 1964, sobre o qual escreveu dois livros, o sociólogo
Marcelo Ridenti, da Unicamp, participou na semana passada do seminário
Autoritarismo e Democracia nas Margens da República: 1964, 1984,
realizado na Fafich. Na ocasião, ele concedeu entrevista ao BOLETIM,
na qual analisa o modelo de sociedade sonhado pelos grupos guerrilheiros
brasileiros, "que em nada se parecia com a democracia pré-64
ou com a que temos hoje".
No Brasil, que papel a luta armada desempenhou no combate ao autoritarismo?
Os grupos de guerrilha brasileiros não queriam só
derrubar a ditadura. Eles desejavam construir uma nova sociedade no Brasil.
Algumas organizações imaginavam promover uma revolução
nacional democrática, que culminaria com um governo popular. Outros
cogitavam um governo socialista. A luta armada tinha dois objetivos. O primeiro
era acabar com a ditadura, que, na opinião dos grupos, condenaria
o Brasil ao atraso. Outro seria buscar um novo modelo de sociedade. Alguns
grupos, como o MR-8, do Rio de Janeiro, defendiam o modelo socialista. Portanto,
seria impreciso dizer que eles só combateram a ditadura. Eles queriam
muito mais do que isso. Só que na história temos que diferenciar
o desejado daquilo que efetivamente foi produzido. É possível,
por exemplo, que muitos dos generais que fizeram o golpe de 64 estivessem
sendo sinceros quando diziam que desejavam ficar pouco tempo no poder. Só
que ficaram 20 anos. E, quando estudamos a ditadura, temos que pesquisar
todo esse período, independentemente dos desejos de quem a fez. No
caso da esquerda armada, a intenção era assaltar o paraíso,
como se dizia na época, além de derrubar a ditadura. Foi o
setor social mais extremado da luta contra a ditadura.
Quais foram os personagens mais importantes da luta
armada?
Os dois principais grupos de guerrilha saíram do
Partido Comunista. Na Ação Libertadora Nacional, os personagens
mais importantes foram Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira.
Esse foi o grupo mais militarizado. Quanto à Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), o principal expoente foi Carlos Lamarca. Outro militante muito importante
foi Herbert Daniel, que fizera parte do comando de libertação
nacional de Minas Gerais, e depois viria a ser da VPR. Em outro grupo, o
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, as figuras mais importantes
foram Mário Alves, Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender. Outros
tiveram importância relativa na época, mas acabaram ganhando
um lugar de destaque na história. É o caso do Fernando Gabeira
(hoje deputado federal). Quando o embaixador norte-americano (Charles Burke
Elbrick) foi seqüestrado, Gabeira era um jornalista importante no Rio
de Janeiro, mas tinha apenas seis meses de militância. Ele só
ganhou notoriedade no fim dos anos 70, quando escreveu o livro O que é
isso, companheiro?, em que faz uma revisão crítica dessa época.
O mesmo ocorreu com Sirkis (Alfredo Sirkis), da VPR, e autor de Os carbonários.
A guerrilha do Araguaia foi realmente o ápice
dos confrontos armados no Brasil?
Todos os grupos gostariam de fazer guerrilha rural. Mas
o único que conseguiu atingir esse objetivo foi o PCdoB, entre 72
e 74, na região do Araguaia. O PCdoB nunca fez guerrilha urbana,
diferentemente dos outros grupos. As ações de guerrilha se
concentraram, sobretudo, entre 69 e 71. A morte de Carlos Lamarca, no sertão
da Bahia, em setembro de 1971, talvez tenha posto fim nessa dinâmica
dos grupos que, para lançar a guerrilha rural, começaram a
assaltar bancos, a seqüestrar personalidades para libertar companheiros
presos e a realizar ações urbanas, que, para eles, seriam
só o prelúdio do que de fato importava, a guerrilha rural.
Mas todos esses grupos acabam destruídos pelo aparelho repressivo
ainda sem lançar a guerrilha rural. O PCdoB, que criticava a luta
armada rural, preparou os militantes na região do Araguaia desde
66, até que estes, descobertos pelo exército, tiveram que
decidir: ou começavam a guerrilha ou se desmobilizavam. Começaram
o processo em 1972 e foram dizimados em 1974, após três expedições
do exército.
Quais as peculiaridades da guerrilha no Brasil e qual
o perfil do guerrilheiro brasileiro?
A grande fonte de inspiração das organizações
guerrilheiras do Brasil foi a revolução cubana. No caso do
PCdoB, que fez a guerrilha do Araguaia, o modelo era a guerra popular prolongada,
preconizada por Mao Tse Tung, embora na prática lembre mais a experiência
cubana. Quanto ao perfil do guerrilheiro, havia gente de todos os setores
e idades. De velhos comunistas, como Mário Alves, Carlos Marighela,
a oficiais maduros, como Carlos Lamarca, passando por militares de baixa
patente, como Onofre, outro guerrilheiro importante da VPR. Mas os principais
adeptos da guerrilha foram os jovens da classe média, recém-saídos
da universidade. O perfil do guerrilheiro era mais ou menos assim: homem,
jovem (entre 20 e 30 anos), classe média e intelectualizado. Esses
jovens estavam extremamente empolgados com o que acontecia no cenário
internacional _ da Revolução Cubana às Barricadas de
Paris, em maio de 1968, passando pela Primavera de Praga, pelas manifestações
no México e pela oposição da sociedade norte-americana
à guerra do Vietnã.
Por que os jovens foram maioria na guerrilha?
Até então, a repressão havia sido muito mais dura com os movimentos operário e camponês. Na prática, quem tinha vida política no Brasil da época eram os estudantes, apesar da importância das greves dos metalúrgicos de Contagem (MG) e de Osasco (SP) e da adesão de operários à luta armada.
Foto de Foca Lisboa: Ridenti: guerrilheiros desejavam "assaltar o paraíso"