Busca no site da UFMG




Nº 1433 - Ano 30 - 08.4.2004


/Marcelo Ridenti

A utopia guerrilheira

Maurício Guilherme Silva Jr.


studioso do golpe militar de 1964, sobre o qual escreveu dois livros, o sociólogo Marcelo Ridenti, da Unicamp, participou na semana passada do seminário Autoritarismo e Democracia nas Margens da República: 1964, 1984, realizado na Fafich. Na ocasião, ele concedeu entrevista ao BOLETIM, na qual analisa o modelo de sociedade sonhado pelos grupos guerrilheiros brasileiros, "que em nada se parecia com a democracia pré-64 ou com a que temos hoje".



No Brasil, que papel a luta armada desempenhou no combate ao autoritarismo?

Os grupos de guerrilha brasileiros não queriam só derrubar a ditadura. Eles desejavam construir uma nova sociedade no Brasil. Algumas organizações imaginavam promover uma revolução nacional democrática, que culminaria com um governo popular. Outros cogitavam um governo socialista. A luta armada tinha dois objetivos. O primeiro era acabar com a ditadura, que, na opinião dos grupos, condenaria o Brasil ao atraso. Outro seria buscar um novo modelo de sociedade. Alguns grupos, como o MR-8, do Rio de Janeiro, defendiam o modelo socialista. Portanto, seria impreciso dizer que eles só combateram a ditadura. Eles queriam muito mais do que isso. Só que na história temos que diferenciar o desejado daquilo que efetivamente foi produzido. É possível, por exemplo, que muitos dos generais que fizeram o golpe de 64 estivessem sendo sinceros quando diziam que desejavam ficar pouco tempo no poder. Só que ficaram 20 anos. E, quando estudamos a ditadura, temos que pesquisar todo esse período, independentemente dos desejos de quem a fez. No caso da esquerda armada, a intenção era assaltar o paraíso, como se dizia na época, além de derrubar a ditadura. Foi o setor social mais extremado da luta contra a ditadura.

Quais foram os personagens mais importantes da luta armada?

Os dois principais grupos de guerrilha saíram do Partido Comunista. Na Ação Libertadora Nacional, os personagens mais importantes foram Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira. Esse foi o grupo mais militarizado. Quanto à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o principal expoente foi Carlos Lamarca. Outro militante muito importante foi Herbert Daniel, que fizera parte do comando de libertação nacional de Minas Gerais, e depois viria a ser da VPR. Em outro grupo, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, as figuras mais importantes foram Mário Alves, Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender. Outros tiveram importância relativa na época, mas acabaram ganhando um lugar de destaque na história. É o caso do Fernando Gabeira (hoje deputado federal). Quando o embaixador norte-americano (Charles Burke Elbrick) foi seqüestrado, Gabeira era um jornalista importante no Rio de Janeiro, mas tinha apenas seis meses de militância. Ele só ganhou notoriedade no fim dos anos 70, quando escreveu o livro O que é isso, companheiro?, em que faz uma revisão crítica dessa época. O mesmo ocorreu com Sirkis (Alfredo Sirkis), da VPR, e autor de Os carbonários.

A guerrilha do Araguaia foi realmente o ápice dos confrontos armados no Brasil?

Todos os grupos gostariam de fazer guerrilha rural. Mas o único que conseguiu atingir esse objetivo foi o PCdoB, entre 72 e 74, na região do Araguaia. O PCdoB nunca fez guerrilha urbana, diferentemente dos outros grupos. As ações de guerrilha se concentraram, sobretudo, entre 69 e 71. A morte de Carlos Lamarca, no sertão da Bahia, em setembro de 1971, talvez tenha posto fim nessa dinâmica dos grupos que, para lançar a guerrilha rural, começaram a assaltar bancos, a seqüestrar personalidades para libertar companheiros presos e a realizar ações urbanas, que, para eles, seriam só o prelúdio do que de fato importava, a guerrilha rural. Mas todos esses grupos acabam destruídos pelo aparelho repressivo ainda sem lançar a guerrilha rural. O PCdoB, que criticava a luta armada rural, preparou os militantes na região do Araguaia desde 66, até que estes, descobertos pelo exército, tiveram que decidir: ou começavam a guerrilha ou se desmobilizavam. Começaram o processo em 1972 e foram dizimados em 1974, após três expedições do exército.

Quais as peculiaridades da guerrilha no Brasil e qual o perfil do guerrilheiro brasileiro?

A grande fonte de inspiração das organizações guerrilheiras do Brasil foi a revolução cubana. No caso do PCdoB, que fez a guerrilha do Araguaia, o modelo era a guerra popular prolongada, preconizada por Mao Tse Tung, embora na prática lembre mais a experiência cubana. Quanto ao perfil do guerrilheiro, havia gente de todos os setores e idades. De velhos comunistas, como Mário Alves, Carlos Marighela, a oficiais maduros, como Carlos Lamarca, passando por militares de baixa patente, como Onofre, outro guerrilheiro importante da VPR. Mas os principais adeptos da guerrilha foram os jovens da classe média, recém-saídos da universidade. O perfil do guerrilheiro era mais ou menos assim: homem, jovem (entre 20 e 30 anos), classe média e intelectualizado. Esses jovens estavam extremamente empolgados com o que acontecia no cenário internacional _ da Revolução Cubana às Barricadas de Paris, em maio de 1968, passando pela Primavera de Praga, pelas manifestações no México e pela oposição da sociedade norte-americana à guerra do Vietnã.

Por que os jovens foram maioria na guerrilha?

Até então, a repressão havia sido muito mais dura com os movimentos operário e camponês. Na prática, quem tinha vida política no Brasil da época eram os estudantes, apesar da importância das greves dos metalúrgicos de Contagem (MG) e de Osasco (SP) e da adesão de operários à luta armada.

Foto de Foca Lisboa: Ridenti: guerrilheiros desejavam "assaltar o paraíso"