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Nº 1442 - Ano 30 - 10.6.2004


O livro entra em cena

Em obra de professor da Fale, o papel, além de meio físico, é protagonista

Patrícia Azevedo

ifícil enquadrar o livro Tablados,do professor Luis Alberto Brandão, da Faculdade de Letras, em algum gênero literário. Mas, como esta informação é importante para posicionar o leitor sobre determinada obra, vamos lá: Tablados é uma narrativa ficcional. Na prática, porém, as histórias que o autor reúne em seu livro são resultado de uma profusão de gêneros: narrativa, conto, poesia e ficção. Histórias nada convencionais, assim como a forma de contá-las.

Em Tablados, o autor explora o potencial especulativo do texto literário trabalhando os espaços da página e do livro. Conforme sugere o título, o papel é tratado como um palco onde ações inesperadas se desenrolam. Além de suporte, as páginas e o próprio livro transformam-se em protagonistas.

A idéia de escrever o livro nasceu da pesquisa que Brandão desenvolveu em seu pós-doutorado, um trabalho teórico, centrado na questão do espaço nas obras literárias. Dessa forma, os conceitos de limite, linha, superfície, extensão, locação e deslocamento no espaço textual deixam de ser somente reflexões acadêmicas para serem incorporados às narrativas. “O próprio trabalho teórico despertou a vontade de transformá-lo em ficção”, explica Brandão.

Depois de detectado o desejo de realizar o livro, surgiram os desafios. “Como vou explorar a questão do espaço?”, brinca o autor, ao lembrar-se de seus questionamentos. Para pôr ordem na casa e estabelecer uma linha de trabalho, ele concentrou-se na idéia de que a página é um espaço a ser construído, assim como o livro.

Tablados divide-se em três partes: Páginas, Livros e Leituras. Na primeira parte, a página converte-se em muitos lugares: casa, cais, janela, ruínas impérios. É também cenário de ações e conflitos. Em um dos textos, o protagonista “se desespera” ao encontrar a linha extrema da página, que, para ele, representa o fim do Universo.

Na segunda parte, o livro deixa de ser um simples veículo para tornar-se agente. Já a terceira parte apresenta reflexões sobre o ato de ler e os rituais que esse processo envolve. O que significa ler? Para o autor, pode significar muitas coisas, assim como são as múltiplas interpretações possíveis para um texto. O ato de ler pode estar associado a viagem, ao acúmulo de conhecimentos, ao desejo de dar atenção ao invisível.

Arte ambiciosa

Para muitos, o trabalho de Luis Alberto poderia ser definido como uma “viagem”, mas o autor garante que não tirou os pés do chão. “A obra deve ser, antes de tudo, compreensível”, afirma. Os leitores, garante, encontrarão elementos convencionais da narrativa, como espaço e personagens. Mas não da maneira com que estão acostumados. “Queria subverter tudo isso. O livro foi pensado para ser provocativo. Não desejava simplesmente repetir essa literatura produzida em massa. Acredito que a arte pode ser algo mais do que mero espelho da realidade. Pode ser mais ambiciosa e instigadora”, afirma.

Admirador de João Cabral de Melo Neto, que chegava a trabalhar anos em um mesmo poema, Luis Alberto acredita que a literatura não pode ser feita sem esforço e dedicação. “A arte exige trabalho”, diz.

Segundo a crítica e poeta Maria Esther Maciel, que escreveu a ‘orelha’ do livro, cada linha do texto é minuciosamente pensada, de elegância precisa e beleza matemática. “Tablados explora, com uma inventividade singular, todas as possibilidades do espaço dentro dos limites ilimitados de uma página ou de um livro, levando o exercício da metalinguagem a lugares incomuns e até então intransitados”, conclui Maria Esther.