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Nº 1442 - Ano 30 - 10.6.2004

 

 

Show Medicina: 50 anos de história...
bem-humorada

Júlio Anselmo de Souza Neto*

udo começou em 1954, a partirde uma conversa de José Geraldo Dangelo, quintanista de Medicina da UFMG, com o professor Liberato João Afonso Di Dio, recém-chegado de São Paulo e que havia assumido a cátedra de Anatomia da UFMG. O professor Di Dio relatou a Dangelo a existência, na Faculdade de Medicina da USP, desde 1942, de certo Show ­Medicina, espetáculo teatral humorístico montado pelos estudantes, cujos temas eram a vida acadêmica e a rotina médica. Fascinado com o relato do professor, Jota Dangelo (nome pelo qual se tornaria conhecido como professor de Anatomia da UFMG, expoente do teatro mineiro e Secretário de Cultura de Minas Gerais) não hesitou: juntou um grupo de colegas e montou um espetáculo humorístico similar. Nascia o Show Medicina, espetáculo teatral escrito, dirigido e encenado pelos estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG.

A partir do segundo ano, o Show Medicina ganhou seu segundo “pai”, Ângelo Machado, que também viria a ser professor na UFMG (de Neuroanatomia até 1984 e de Zoologia até hoje). Dangelo e Ângelo passaram a dividir a redação e a direção das edições futuras do Show até 1961, quando ambos foram cursar pós-graduação no exterior. Apesar desta ausência, os demais componentes “seguraram a peteca”, e o Show continuou nos anos seguintes.
A cada ano, novos acadêmicos incorporavam-se ao elenco, substituindo os que concluíam o curso médico, consolidandose a tradição.

Com o passar do tempo, o Show sofreu modificações de forma e conteúdo. Inicialmente dirigido às comunidades acadêmica e médica, passou a ser um espetáculo aberto ao público em geral, encenado nos melhores teatros de Belo Horizonte, com recordes de bilheteria. O Show registrou os momentos mais conturbados de nossa recente história política. Do suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido no ano do nascimento do Show, passando pela renúncia de Jânio Quadros, pelo golpe que depôs João Goulart e, posteriormente, pela ditadura militar, que impôs forte censura ao espetáculo. Assim, o Show foi incorporando temas político-sociais que se tornaram majoritários nos efervescentes anos 60.

Com o golpe militar de 1964, a Universidade tornou-se um dos mais importantes centros da resistência à ditadura, e, naturalmente, o Show transformou-se em eficaz veículo das críticas político-sociais e dos protestos contra o regime. Com o aumento da repressão, o Show passou a ser sistematicamente visado pelos órgãos repressivos da ditadura e até por seus “braços não-institucionais”. Um deles, o famigerado Comando de Caça aos Comunistas (CCC), truculento grupo paramilitar de direita, promoveu um atentado contra o Show Medicina – 1968 realizado no teatro do Instituto de Educação. Durante o espetáculo, os membros do CCC desligaram a luz do teatro e lançaram uma ampola de ácido corrosivo contra o palco, com o intuito de atingir os atores, mas erraram o alvo, e a vítima foi a irmã de um dos atores, sentada numa poltrona da primeira fila.

Inibida pelos protestos públicos de indignação contra o atentado, a repressão limitou-se a agir do modo mais convencional e menos perceptível pelo ­público, impondo sistemática censura prévia ao Show, expediente, aliás, sempre adotado contra a imprensa e as artes em geral. Os roteiros do Show passaram a ser total ou parcialmente proibidos, mesmo quando suas críticas político-sociais eram metafóricas, obrigando seus organizadores à desgastante tarefa de redigir novos textos, além de periódicos e constrangedores comparecimentos à Polícia Federal. Em 1976, mais uma vez, o texto do Show foi proibido na íntegra, e os estudantes resolveram não refazê-lo. Assim, o Show daquele ano não foi apresentado e, o mais triste, também deixou de sê-lo nos dez anos seguintes.

Como ex-ator e diretor do Show e inconformado com sua interrupção, decidi tentar fazê-lo “renascer”. Em maio de 1985, reuni um grupo de estudantes e, com eles, montei um Show Medicina Saudade que foi apresentado à comunidade da UFMG, com o compromisso de que os alunos fariam o Show “de verdade” no final do ano, o que, infelizmente, não ocorreu. No ano seguinte, voltei à carga e, com a ajuda de outros alunos, montei um espetáculo semelhante. Diante do grande sucesso, os estudantes, entusiasmados, cumpriram a promessa e montaram, no final do ano, o Show Medicina - 1986, encenado no Teatro Francisco Nunes. Retomava-se, então, a tradição do Show, e ele continuou a ser apresentado, completando, em 2004, 50 anos de idade. Ao longo de sua história, o Show Medicina contou com a participação de cerca de mil alunos, alguns dos quais se tornaram figuras de projeção nos meios acadêmico, médico e político do país.

Por sua longevidade, sua identidade acadêmica, seu caráter humorístico, revestido de críticas aos temas universitários, médicos e sociais, o Show Medicina é uma manifestação cultural ímpar do corpo discente de nossa Universidade. Mais ainda, por ser um espetáculo apresentado ao público externo, talvez seja o único do gênero existente no país, já que, ao que se sabe, o Show Medicina da USP acabou restrito ao público da Faculdade de Medicina daquela Universidade.

Ao Show Medicina, os nossos aplausos e os votos de, pelo menos, mais 50 anos de vida.

* Professor do departamento de Morfologia do ICB, ex-ator e ex-diretor do Show Medicina

Leia mais sobre o Show Medicina na página 7.

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