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Os índios no furacão da aldeia
global
Xacriabás preparam-se para lidar com o mercado e pleiteiam vagas na Universidade
Ana Rita Araújo
pesar
dos esforços dos povos indígenas para resistir ao processode
aculturação, o mercado chegou às aldeias, e os índios
brasileiros precisam lidar com problemas nunca antes imaginados, como busca
de financiamento, diagnóstico socioeconômico e escoamento da
produção de bens e serviços.
Para ajudar o povo xacriabá a conviver com essa realidade, a Faculdade
de Educação (FaE) realizou, de 2 a 4 de junho, duas oficinas
nas áreas de economia e de educação. Entre os temas
debatidos estavam a implementação e o acompanhamento de um
projeto de diagnóstico da economia xacriabá, e a inclusão
dos professores indígenas em cursos superiores.
“Eles têm de aprender a lidar com o mercado e com o chamado
mundo institucional, pois encontram dificuldade em negociar preços
adequados, e seus produtos são desvalorizados exatamente por serem
feitos por índios”, comenta a coordenadora das oficinas, professora
Ana Gomes, da FaE.
As duas oficinas deram, aos 27 participantes, informações
sobre como elaborar e gerir projetos. Participaram professores indígenas
e líderes de associações comunitárias , entidades
jurídicas que representam o povo xacriabá. As oficinas, desdobramento
da antiga parceria entre a comunidade e a UFMG, atendem a uma demanda recente,
apresentada pelos xacriabás à Procuradoria da República.
Demandas
Em audiência pública realizada na nação xacriabá,
em 30 de abril, os índios descreveram à Procuradoria os maiores
problemas que vêm enfrentando e pediram ajuda da UFMG e da Universidade
Federal de São João del-Rei, instituições com
as quais mantêm parceria. “Somos produtores rurais, mas faltam
sementes, irrigação e apoio para a comercialização
do que produzimos”, resume Hilário Correa Franco, líder
comunitário da reserva.
A comunidade indígena quer reverter a situação de subalternidade
que ocupa no contato com o mercado. Com a posse coletiva da terra e tutelados
pelo Estado, os xacriabás não têm acesso às fontes
de financiamentos disponíveis para pequenos produtores rurais.
Na oficina de economia, sugerida pelos próprios índios, os
participantes concluíram que necessitam detectar a capacidade produtiva
da comunidade, que abandonou tradições, como a produção
de sabão com ingredientes locais, cerâmica e tecelagem. “Queremos
resgatar nossa cultura”, diz Hilário. Segundo a professora
Ana Gomes, os xacriabás percebem que precisam construir o horizonte
para uma economia sustentável e solidária, e já têm
projeto aprovado na área de proteção ambiental.
Seminário
Da demanda apresentada à Procuradoria resultaram as oficinas, coordenadas
pela FaE com o apoio do Cedeplar, e a previsão de um seminário
de trabalho, a ser realizado no segundo semestre deste ano, para delinear
um programa mais amplo de atividades da UFMG com o povo xacriabá.
Outra frente para reduzir os problemas econômicos da comunidade pode
estar na merenda escolar. “Temos condições de produzir
alimentos para a merenda que é distribuída aos quase 2.500
alunos das nossas escolas”, afirma Antônio de Araújo,
presidente de uma das cinco associações comunitárias
da reserva.
Com 110 professores e turmas de primeira a oitava séries, as escolas
xacriabás preparam-se para instalar o ensino médio. Fruto
do Programa de Implantação das Escolas Indígenas –
parceria instituída em 1995 entre as comunidades indígenas,
a Secretaria de Estado da Educação, a UFMG, o IEF e a Funai
– as escolas xacriabás ensinam disciplinas como português,
história, geografia, cultura e direitos indígenas. “Perdemos
nossa língua, pois fomos massacrados”, lamenta o professor
indígena Francisco Souza Santos.
Acesso
Os
participantes das oficinas visitaram a pró-reitora adjunta de Extensão,
Maria das Dores Pimentel Nogueira, e pleitearam o acesso a cursos de graduação.
“Não temos clareza em relação à forma
de ingresso, mas achamos desigual a concorrência com alunos que vivem
numa realidade tão diferente da nossa”, diz Francisco Santos.
Os xacriabás moram em 27 aldeias, que reúnem população
de 6,5 mil pessoas, em reserva no município de São João
das Missões, no Norte de Minas. O atual diretor das escolas xacriabás,
José Nunes de Oliveira, prepara-se para lançar, com apoio
da comunidade indígena, sua candidatura à prefeitura local.
Equipe
A professora Ana Gomes ressalta a importância da parceria com o Cedeplar,
órgão da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG,
representado pelo professor Roberto Montemor, no trabalho com os xacriabás.
Também participam da atividade bolsistas de Ciências Sociais
e de Pedagogia, e dois doutorandos da FaE, vindos das universidades de Florença
(Itália) e de Valencia (Espanha).
Legenda (Foto 1): Hilário
Franco: resgasta da cultura xacriabá
Legenda (Foto 2): Antônio de Araújo: produção
de alimentos para a merenda escolar
Fotos: Eber Faioli