Busca no site da UFMG




Nº 1445 - Ano 30 - 7.1.2004

Paisagens do Vale

Usando conceitos da semiótica, dissertação do IGC “descobre” atrativos e riquezas no Jequitinhonha

Patrícia Azevedo


Homem contempla as águas do rio Jequitinhonha, símbolo de fertilidade
Foto: Vanderlei/ Ceplantur

as agências de viagem, os interessados em descobrir o Brasil ou tirar aquelas merecidas férias são convidados a conhecer as atraentes praias do Nordeste, a beleza européia das cidades do sul, ou as atraentes Paraty e Angra dos Reis. “Um passeio pelas históricas Ouro Preto e Tiradentes ou uma parada no Circuito das Águas também cairiam bem”, sugere a atendente. Com tantas opções, é difícil imaginar o Vale do Jequitinhonha na rota dos turistas. Mas também quem se interessaria em conhecer uma região pobre, seca e miserável?

“Foi pensando em acabar com esse mito de pobreza que estigmatiza o Vale do Jequitinhonha que desenvolvi meu trabalho”, afirma a pesquisadora Patrícia de Sá Machado, aluna do mestrado em Geografia do IGC. Em sua dissertação, defendida esta semana, Patrícia de Sá procurou interpretar as paisagens do Vale com o propósito de criar uma nova imagem da região, favorável e atrativa para o turismo.

Para construir sua pesquisa, ela utilizou uma concepção ampliada de paisagem que acompanha a mudança de paradigmas pela qual a geografia passou na década de 70, quando assumiu uma postura mais humanística. Dessa forma, a paisagem é tratada como resultado da interação do homem com o meio ambiente, uma relação em constante movimento.

“Procurei enxergar além da beleza natural do local. Diferentemente do que muitos fazem, não queria me concentrar somente no visível, no físico. A paisagem não é um lance de vista e sim de sentidos”, explica Patrícia de Sá. Segundo a pesquisadora, existem valores internos que ultrapassam a visão e os critérios mensuráveis, perceptíveis através de métodos subjetivos e simbólicos.

Com a utilização de conceitos da semiótica e a troca de conhecimentos e informações com a população local, a pesquisadora interpretou quatro elementos que compõem a paisagem do Vale: do Jequitinhonha: o rio, o relevo, a aridez e o barro. “A maneira que a população local enxerga o rio é diferente da visão do turista. Cada um desses significantes possui vários significados que vão formar o signo”, explica.

Significados

O que significa o rio Jequitinhonha? A pesquisadora encontrou muitas respostas. Pra alguns é sinônimo de fertilidade, uma veia de água perene numa região onde muitos rios secam. As dragas nas margens indicam exploração mineral e o rio se transforma em fonte de riquezas. É lá também que as famosas “lavadeiras de Almenara” buscam inspiração. As águas do Jequitinhonha são via de acesso para muitos barcos e balsas, mas podem ser uma restrição também. “São muitos significados. A história do rio Jequitinhonha confunde-se com a da região”, lembra a pesquisadora.

A Serra do Espinhaço, as chapadas e os pontões de granito formam as três unidade de relevo analisadas e que chamam a atenção pela beleza natural. Mas os significados vão além. Segundo Patrícia de Sá, o relevo é testemunha de ocupação do solo. Para a população local, é o lugar que move a economia, base para a agricultura familiar no Alto Jequitinhonha e para pecuária no Médio. No relevo estão as marcas da ação do homem: grandes áreas de cerrado foram desmatadas para receber plantações de eucalipto. A concentração de água também é influenciada pelo relevo e determinar onde as pessoas constrõem suas casas.

Soluções

Ao analisar a aridez, Patrícia de Sá percebeu que o clima não é em si um problema para a região, como muita gente pensa. “O problema é a conseqüência da seca, que ocorre pela falta de políticas públicas. O clima árido não é necessariamente ruim, pode até ser uma solução”, afirma. Da vegetação xerófila, lembra a pesquisadora, óleos são extraídos, e muitos produtos fabricados. Forçada pela aridez, a população desenvolve valores como a percepção de finitude da água e passa a administrar melhor os recursos naturais. É também graças ao clima que o solo apresenta alto teor de sais, bastante favorável à pecuária. No barro, a pesquisadora encontrou mais do que belas peças de artesanato: é fonte de renda, parte do cotidiano, contato com a natureza, imaginação. “A vida de muitas pessoas gira em torno do barro”, lembra a pesquisadora.

Muitos dos significados apresentados por Patrícia de Sá chocam-se contra os rótulos que formam a imagem do Vale do Jequitinhonha e para serem compreendidos exigem um contato com a população local. São significados que demonstram a riqueza da região e vai ao encontro da idéia de turismo desenvolvida pelo Centro de Pesquisa-Ação em Planejamento Turístico (Ceplantur) do IGC, coordenado pelo professor Allaoua Saadi, orientador da dissertação. “É no contato com o povo que o turista conhece a região que visita. Acreditamos que o turismo vai além das visitas programadas das agências, em que um guia apresenta os locais e as pessoas apreciam à distância”, afirma a pesquisadora.

Dissertação: Paisagens do Vale do Jequitinhonha e suas possibilidades de aproveitamento turístico.
Autora: Patrícia de Sá Machado
Defesa: 29 de junho
Orientador: Professor Allaoua Saadi (IGC)